Petite Maman (2021)

de Francisca Tinoco

Petite Maman de Céline Sciamma é uma cápsula temporal e emocional de uma altura decisiva na vida da pequena Nelly (Joséphine Sanz) – a morte da sua avó e subsequente luto profundo da sua mãe (Nina Meurisse). O filme é um retrato sonhador, genuíno e otimista deste momento particularmente triste, perfeitamente adequado, assim, à vivência inocente das crianças.

Juntamente com o pai de Nelly (Stéphane Varupenne), esta família regressa à casa onde a sua mãe cresceu para a esvaziar. Um processo que se revela demasiado pesado para esta personagem que acaba por abandonar a casa, deixando Nelly e o seu pai a terminar a tarefa. Um pouco solitária, a lidar com sentimentos novos, Nelly deixa-se levar pelo cenário encantado dos bosques em redor de sua casa, onde conhece uma outra menina, Marion (Gabrielle Sanz), com quem partilha as tardes.

Céline Sciamma cria, com muito bom gosto e sensibilidade, uma reflexão sobre a primeira vez que uma criança se depara com dois aspetos inevitáveis da vida – a morte e o luto. A primeira vez que surgem nas nossas vidas é sempre marcante pela forma como vêm romper com a nossa perceção do mundo. De repente, apercebemo-nos que a vida termina eventualmente e, muitas vezes, vemos pela primeira vez os adultos à nossa volta perder a aura de super-heróis para revelar um interior muito mais sensível e parecido ao nosso.

Nelly é precisamente confrontada com este lado mais frágil da sua mãe, enquanto visita a sua casa de infância, lê os seus cadernos da escola e visita os bosques onde brincava. Esta combinação e a fragilidade do momento, aproxima Nelly da sua mãe, em busca de um escape para o caos de emoções em sua casa, e exibe uma relação belíssima plena de empatia e inteligência emocional digna de gente crescida.

O brilho de Petite Maman está exatamente na forma como Sciamma trata sentimentos desta complexidade de forma bastante simples – também para que o filme pudesse ser direcionado para, e percebido por crianças –, sem nunca se tornar paternalista.  Nelly e todo o seu modo infantil de ver o mundo são sempre retratados com o maior respeito e compaixão.

Realizado e escrito por Sciamma, é evidente durante todo o filme o seu cunho pessoal, nas metáforas visuais, no simbolismo, e na atenção ao detalhe muito próprios da realizadora francesa, deixando no ar a questão de uma possível qualidade biográfica na história. Petite Maman, de apenas 72 minutos de duração, e um tempo de narrativa igualmente curto, consegue proporcionar, sem grande pompa ou artifício, do que há de melhor no cinema – a total absorção e transposição do espetador para o lugar da protagonista, enquanto acompanhamos Nelly nesta viagem e refletimos sobre a nossa própria infância, e a primeira vez que conhecemos verdadeiramente a dor.   

4/5
0 comentário
2

Related News

Deixa Um Comentário