Percebes (2024)

de Pedro Ginja

Percebes está integrado na programação da 25ª edição da MONSTRA | Festival de Animação de Lisboa, na Secção Competição Curtas 2. Foi exibido no dia 25 de Março às 19h00, no Cinema São Jorge.

Laura Gonçalves está de volta à realização, de novo em equipa com Alexandra Ramires após a curta Água Mole (2017), e após o êxito a solo com o brilhante O Homem do Lixo (2022), que esteve a um curto passo de entrar nos nomeados para melhor curta-metragem de animação nos Óscares em 2023. Ano, aliás, de grande memória para a animação portuguesa que conseguiu ter um filme na lista final de nomeados, o Ice Merchants (2022) de João Gonzalez.

Era, por isso, grande o interesse no que Laura Gonçalves faria no seu próximo projecto, e a escolha, apesar de inusitada e inesperada, acaba por fazer todo o sentido no final. Voltando à colaboração simbiótica com Alexandra Ramires, Percebes fala sobre um molusco único e especial que cresce, principalmente, na zona do Algarve com o mesmo nome próprio. Usando o ambiente paisagístico, turístico e social da região, o filme acompanha o ciclo de vida do animal marinho segundo os vários contextos e, principalmente, as pessoas que dele dependem e o conhecem melhor – os nativos da região.

Para quem já viu o trabalho das realizadoras, os pontos em comum serão imediatamente óbvios. Existe uma imensa proximidade com as gentes que retratam e um profundo amor por tudo o que representam. As noções de família e tradição são o cerne e o coração de todas as histórias contadas pela dupla, e neste Percebes sente-se novamente esse sentimento. Além das explicações técnicas, o mais importante é revelar as pessoas por detrás das histórias. Não nos pormenores físicos, vitórias ou conquistas pessoais mas na sua opinião do que o molusco significa para si. No final, não sabemos mais do próprio animal, origens ou evolução ao longo da história da Terra mas descobrimos as pessoas que dele dependem, as suas dificuldades e lutas do dia-a-dia e dos perigos escondidos de quem arrisca a vida para os levar ao consumidor. Ao contrário dos anteriores projectos existe aqui uma maior preocupação social por priorizar a revelação das suas provações diárias. Ao mostrar também a região do Algarve, as suas tribulações relacionadas com a dependência total do turismo sazonal e as dificuldades em viver nessa incerteza, o quadro está completo mas não se resume a um desfilar de negatividade mas sim, sempre, a uma positividade contagiante mesmo na dureza da labuta diária. Esse é, aliás, o maior símbolo da sua enorme Portugalidade.

O trabalho de animação é sempre brilhante e sente-se como um abraço apertado no espectador. A fluidez com que salta entre a anatomia complexa de mãos a tratar o molusco e os detalhes corporais do animal para as linhas e curvas simples de uma enseada no mar ou o corpo mergulhado na água, é reveladora dessa naturalidade e proximidade que procuram cultivar. A câmara dança e desliza por entre mesas cheias, enseadas revoltas ou crianças brincando na rua enquanto um prato de percebes viaja em direção a mais uma mesa farta de risos e comida, símbolo maior da hospitalidade portuguesa. O ritmo intenso com que a edição e a animação nos brindam não ofuscam, no entanto, os seus protagonistas onde muitas vezes a câmara escolhe parar, para os contemplar e beber da sua sabedoria. As cores são simples e nunca sobrecarregam o ecrã, usando e abusando do vermelho e do azul para deleite dos nossos olhos. Estranha-se a combinação, à primeira vista, mas nunca a intenção maior por detrás dessa escolha, a mensagem que pretende transmitir.

Percebes não é uma curta-metragem para perceber o animal que lhe dá nome mas uma forma de sentir as gentes que dele dependem. Fieis aos seus trabalhos anteriores, Alexandra Ramires e Laura Gonçalves revestem as suas personagens de um carinho maternal e todo o espaço para contarem as histórias do sempre seu Algarve. Uma ode à Portugalidade e ao animal que, concluímos no final, poderá mesmo ter origem alienígena. De Vénus ou de Marte é a questão que importa responder numa possível sequela.

4.5/5
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Premiados MONSTRA 2025 - Fio Condutor 1 de Abril, 2025 - 17:33

[…] Percebes, de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, destaca-se como um dos principais grandes vencedores desta edição, recebendo o Grande Prémio Vasco Granja – SPA, o Prémio do Público na secção Vasco Granja, o Prémio de Melhor Curta-Metragem Portuguesa e ainda o Prémio do Público na secção de Curtas-Metragens. O filme tem feito um longo percurso de prémios e destaques ao longo do último ano. […]

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