Past Lives (2023)

de Francisca Tinoco

Past Lives, de Celine Song, é uma exploração semiautobiográfica das vidas paralelas da protagonista, Nora, interpretada por Greta Lee, e do seu primeiro amor Hae Sung, interpretado por Teo Yoo. Aos 12 anos, num percurso similar ao de Song, Nora muda-se, com a família, da Coreia do Sul para o Canadá, deixando para trás o seu melhor amigo e paixão pré-adolescente, Hae Sung.

A vida volta a juntá-los em duas ocasiões – enquanto estudantes universitários através de videochamadas e redes sociais, e mais tarde, já como adultos, quando Hae Sung visita Nova Iorque, a cidade onde Nora acabou por construir a sua vida. Tal como todos os grandes filmes românticos modernos, Song utiliza esta relação malfadada como veículo para abordar temas que a transcendem. 

Na história de Nora e Hae Sung, há paixão e química de sobra a prender-nos ao ecrã num jogo de “Will they? Won’t they?”, mas por debaixo da superfície romântica, surgem questões existencialistas e filosóficas, que elevam Past Lives de mero filme romântico a uma reflexão cinemática sobre o determinismo e a experiência muito própria de uma vida de emigrante.

A estreia de Song enquanto realizadora é uma reflexão profunda sobre como todas as pequenas e grandes escolhas das nossas vidas (muitas delas feitas por nós, principalmente enquanto crianças) definem o nosso destino. Numa altura em que o multiverso parece ser o conceito predileto de Hollywood, Past Lives oferece uma perspectiva que põe de parte o artifício e realmente navega as águas turbulentas dos infinitos caminhos possíveis que as nossas vidas poderiam ter tomado consoante as nossas decisões ou até os acontecimentos fora do nosso controlo. Fá-lo através da possibilidade de reencarnação e de vidas passadas e futuras, e do conceito coreano de “inyeon” que liga duas pessoas para sempre.

Esta perspectiva está inerentemente ligada ao ato de emigrar para outro país na infância – um momento que divide a vida entre o que é e o que poderia ter sido, entre duas identidades, línguas, localizações e sociedades tão diferentes. Em Past Lives, de forma mais ou menos consciente, Nora debate-se com a dúvida constante do “E Se?”. Hae Sung é, nesta história, acima de tudo, uma representação tangível e mais concreta da vida que a protagonista “perdeu” ao deixar a sua terra natal.

A mensagem que o filme acaba por passar é forte e válida, meditativa, reflexiva, e até meta, mas, apesar de ultrapassar a hora e meia de duração, dá a sensação de ser um filme incompleto. Debate-se com questões tão esmagadoras e, na sua maioria, consegue atingir a sensibilidade, subtileza e ambiguidade a que elas obrigam. No entanto, o seu argumento parece muitas vezes resistente em ir ao cerne da questão. O bloqueio emocional dos dois protagonistas acaba por ter resultados frustrantes no que diz respeito à catarse que o espectador espera da experiência cinemática.

Talvez fosse mesmo esse o objetivo de Song. Ao manter a sua tese de certa forma dissimulada, deixa aqueles que veem o seu filme tão desesperados quanto Nora. Ainda assim, por muito compreensível que seja a sua decisão, não deixa de resultar num filme na margem do perfeito.

4.5/5
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