Durante a década de ’20, em Nova Iorque, Irene Redfield (Tessa Thompson), uma mulher negra, reencontra uma amiga de infância, Clare Kendry (Ruth Negga), numa reunião acidental que reinicia uma nova fase de amizade entre as duas. O choque instala-se em Irene quando descobre que Clare, também uma mulher negra, construiu a sua vida ao fazer-se passar por uma mulher branca.
Passing é um filme realizado por Rebecca Hall que deixa a audiência arrebatada, sem conseguir exprimir o que sente. Esta sensação surge, principalmente, por existir uma inquietação e frustração connosco, ao compreendermos que a história contada é maior do que aquilo que inicialmente pensamos e que existe muito que não conseguimos perceber.
Quando refletimos sobre a sua narrativa, desvendamos algumas camadas essenciais para perceber esta história. O debate fundamental está naquilo que somos como indivíduos e a importância do papel de grupo em que nos inserimos para a construção da nossa identidade. Apesar do protagonismo de Irene, o seu papel serve mais para decifrarmos aquilo que vai na mente de Clare e as suas emoções conflituosas.
Por um lado, Irene sabe que também consegue fazer-se passar por uma mulher branca e evita, maioritariamente, seguir por esse caminho, enquanto que Clare, ao perceber esta situação, decide construir a sua vida através deste benefício do outro mundo. Porém, com o passar do tempo, Clare compreende os danos emocionais que surgem ao esconder a sua identidade e o fardo difícil de suportar com este sacrifício.
Sendo um filme com uma componente racial muito forte, a realizadora optou por mostrar o lugar cinzento entre o branco e o preto, rimando perfeitamente com a sua cinematografia monocromática e com a sua resolução clássica, que atribui uma intimidade especial a cada cena mas também um desconforto nas tensões peculiares de momentos-chave, como por exemplo, a cena em que Irene conhece o marido racista de Clare.
É uma revelação árdua perceber que a única forma de uma pessoa negra aproveitar qualquer tipo de privilégio está em fazer-se passar por uma pessoa branca, e ainda mais duro confirmar que, mesmo assim, o esforço para permanecer escondido não compensa.
Durante uma grande porção do filme, sentimo-nos inquietos devido à brilhante realização de Rebecca Hall e a atuação de Ruth Negga, que faz com que cada linha de diálogo seja significante e cria dúvida sobre os possíveis diferentes sentidos em que a narrativa pode entrar. Tessa Thompson, também, está extraordinária como Irene, que parece viver em conflito constante consigo mesma e com a sua realidade, principalmente na forma como nega a explicação de racismo aos seus filhos, protegendo-os demasiado e ao mesmo tempo negligenciando-os. Possivelmente por um desejo de preservar a inocência das crianças mas também porque ela própria sente-se mal em vilanizar a sua outra metade por completo. A sua relação com Clare demonstra a ambiguidade complexa proposta pelo filme, crescendo até uma conclusão onde esta confusão de sentimentos, em que a raiva e a melancolia se juntam e ao mesmo tempo se separam, mantendo compreensível a razão desta raiva melancólica.
Destaque ainda para a banda sonora e o trabalho de ambientação que é essencial para a imersão do filme, principalmente a vibe de Jazz que nos afeta emocionalmente, com um toque de sofrimento e glamour no seu próprio jeito.