Todos os dias são iguais. Reclusos de uma rotina infindável que afoga lentamente os passageiros do barco, que, durante este período, procuram um objetivo para continuar, questionando o propósito das suas situações presentes e a sua finalidade. Isto não é apenas um resumo de casamentos, mas é também a fórmula utilizada em vários filmes nos últimos anos, em que uma personagem se encontra presa a reviver o mesmo dia. Uma narrativa tão repetida que ultrapassou a ironia e tornou-se num género.
A nova adição é Palm Springs. Produzido pelo trio de Lonely Island, esta premissa segue Nyles (Andy Samberg), que se encontra num loop temporal, onde é obrigado a presenciar o mesmo casamento, todos os dias, sendo forçado a ver uma celebração de amor, enquanto a sua relação chega ao fim. A situação muda quando conhece Sarah (Cristin Milioti) e acidentalmente a arrasta para o mesmo laço temporal onde se situa. Agora, ambos presos, procuram por uma saída definitiva deste purgatório.
A crítica comum quando ouvimos este enredo é associar de imediato ao clássico Groundhog Day, de forma negativa, como mais um filme derivativo, contudo, como temos visto nos casos de Russian Doll, Edge of Tomorrow ou Happy Death Day, os resultados permanecem surpreendentemente positivos. Possivelmente porque existe um esforço maior em superar esse obstáculo inicial, ao abordar ideias novas e interessantes, mantendo a sua relevância e adquirindo uma razão para a sua existência.
Em Palm Springs, este conceito de loop temporal é uma metáfora para a rotina habitual de relações amorosas ou casamentos, num argumento inteligente e divertido que procura questionar a monogamia nos tempos atuais.
Existem elementos humorísticos e imprevisíveis no guião, que utiliza clichês como vantagem cómica, sem se tornar demasiado sarcástico. As várias ideias que surgem neste conceito podem sentir-se como oportunidades perdidas pois em vez de exploradas, são usadas com esse intuito de comédia. Todavia, acredito que esta decisão favorece a história, tornando-a mais concisa, promovendo o avanço rápido do enredo, ao descartar a bagagem extra e focando-se somente no essencial, o romance entre as personagens principais.
No entanto, uma comédia romântica precisa mais que um excelente argumento, pois esta vive e morre na química entre os atores. Felizmente, Samberg e Milioti partilham um romance adoravelmente encantador, mesmo interpretando personagens cínicas e perdidas nas suas más decisões que as levaram a uma vida sem objetivos concretos. Ambos perdidos num time-loop antes do filme iniciar. Aliás, isto apenas favorece a relação entre os dois, que conferem nestas personagens carisma suficiente para o tom nunca cair em ironia exageradamente inapropriada.
A realização de Max Barbakow impede o filme de se tornar arrogante, ao criar um ambiente semelhante a um dia mágico que se repete até exaustão, acabando por perder o seu charme inicial, mas recuperando uma nova perspetiva e adquirindo um novo nível de magia. Um símbolo principal explorado no enredo, que desmistifica a procura do “the one” no nosso mundo e explora o desapontamento que surge quando sentimos que não existe um maior significado individual.
Palm Springs adiciona um novo ponto de vista ao género, escolhendo ignorar uma mentalidade ilusória e favorecendo a preservação dos sentimentos presentes como suficientes para ser feliz. Todos os dias são hoje, mas a pessoa certa faz-nos ansiar pelo amanhã, mesmo que seja igual a hoje.
Talvez seja da quarentena, um período em que estamos presos numa rotina aborrecida apesar da realidade anormal à nossa volta, mas Palm Springs é das melhores comédias românticas dos últimos anos. Embeleza um aspeto de relações, que é ignorado devido à sua perceção negativa, encarando este com uma beleza única e criando um conforto especial no prazer de partilhar uma rotina e um conhecimento profundo na pessoa que temos connosco. Se eu ficar preso num time-loop, este é um filme que não me importava de rever todos os dias.