O último episódio de Meia Hora com Emanuel Raposo, um programa de variedades da televisão Açoreana,era gravado no dia 15 de Maio de 1991. Devido aos acontecimentos fatídicos ocorridos atrás do brilho das câmaras durante estes últimos momentos de glória (limitada) de uma (talvez) lenda da televisão insular, as imagens foram mantidas em segredo durante vários anos… até agora. Ou assim nos é dito por Diogo Lima no seu brilhante mockumentary Os Últimos Dias de Emanuel Raposo, que participou na competição de Curtas Nacionais do IndieLisboa ’21, que passou pelo Festival Caminhos e agora está disponível na RTP Play.
Neste caso, esta disponibilização é, de todas as formas, serviço público. O filme realizado pelo responsável de Sou Menino para Ir (2018-2020) e co-escrito com Amarino França, Francisco Afonso Lopes e André Mendes, tem um charme caótico tal que nos primeiros 10 minutos consegue tirar mais gargalhadas do que muitas ditas comédias conseguem em 90 minutos.
Esta equipa de filmagens a lidar com o ego do tamanho de São Miguel da personagem titular, num papel estranhamente intenso – no melhor dos sentidos – de Mário Roberto, tem um tom plenamente natural, mesmo nos seus momentos mais absurdos, em que ao mesmo tempo que tememos que Arlindo Sousa (Francisco Afonso Lopes) desfaça a jugular de Emanuel Raposo com uma jarra de flores, é impossível não cuspir um pulmão quando Raposo, de todos os insultos imaginários da língua portuguesa, escolhe usar, no seu maior açoreano, “seu micróbio”.
Tem também todo aspeto de ter estado arquivado desde os anos 90′, com uma atenção ao detalhe bastante interessante para um projeto desta dimensão, com os genéricos datados, a programação do canal com a exibição de Um Cavalo Chamado Trinitá ou o recap da visita de sua santidade papal, João Paulo II, à ilha de S. Miguel, e a própria forma de filmar incrivelmente dramática que faz lembrar José Hermano Saraiva à beira de um penhasco barulhento a contar como tinha o Infante D. Henrique arranjado forma de ir colonizar povos estrangeiros onde não tinha nada de ir meter o bedelho.
Os Últimos Dias de Emanuel Raposo revelou-se uma luz de esperança vinda do meio do Atlântico e que nós, como sociedade, nada fizemos por merecer. É absolutamente hilariante, é tenso, é natural e faz pelos Açores aquilo que o Jaws (1975) fez pelo Oceano e está disponível na RTP Play para todos poderem apreciar a forma como um grupo extraordinário de açoreanos projeta vernáculo com uma qualidade tal, que o 10º de Tarantino terá de ser gravado algures entre o Faial e a Lagoa das Sete Cidades.
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