Origin (2023)

de Sofia Alexandra Gomes

Realizado por Ava DuVernay, a primeira realizadora negra a ter o seu filme Selma (2014) nomeado para um Globo de Ouro e para o Óscar de Melhor Filme, Origin conta-nos a história de Isabel Wilkerson (Aujanue Ellis-Taylor), a [igualmente] primeira mulher afro-americana a ser galardoada com o prémio Pulitzer para o jornalismo em 1994. O filme mostra-nos parte da sua vida, mais concretamente o processo de escrita do seu livro Caste: The Origins of Our Discontents (2020), bestseller do New York Times, que surge após um período conturbado de perdas pessoais.

Origin é uma completa miscelânea. Não se percebe se quer ser uma biopic da vida de Isabel Wilkerson, ou se quer ser uma adaptação da sua obra. Procede a querer ser ambas eximiamente, e tentando ser as duas, fica-se por isso mesmo, pela tentativa, infelizmente fracassada. Desconheço o livro em causa – bem como a carreira de Isabel Wilkerson em profundidade – o que claramente impossibilita a análise da película sob a sua luz, mas parece-me que esta opção de juntar uma espécie de biopic com uma espécie de adaptação de Caste não faz jus a nenhuma, pois mais uma vez ficou-se só pela espécie, pela pseudo-biografia e pela pseudo-adaptação, num ensaio esforçadíssimo de experimentar brilhar em ambas.

O luto vivido por Wilkerson e o seu livro Caste, que carrega em si uma certa envergadura na medida em que estabelece, como se vê no filme, que a segregação racial nos Estados Unidos da América, o sistema de castas vigente na Índia e o antissemitismo vivido na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, são discriminações de igual tipo, dado que segundo a escritora todas estão assentes no sistema de castas, necessitavam de um maior aprofundamento e pormenor em Origin, considerando que ao terem sido expostos da forma suprarreferida somente se anularam continuamente, diminuindo o impacto que naturalmente compreendem per si.

Não obstante, quiçá essa hibridez seja possível ainda que o espetador fique com a sensação de que não é tamanho o descalabro: a realização e as performances do elenco, incluindo a de Aujanue, cuja simplicidade e modos amaneirados roçam o redutor tendo em conta a história que se tem em mãos, – à exceção de algumas bastante pontuais conversas da protagonista acerca de racismo como, por exemplo, com o seu marido Brett Hamilton (Jon Bernthal) e à exceção principalmente de Audra McDonald (Miss Hale) que vinga mais numa conversa presente com Isabel do que as múltiplas analepses puxadas a ferros ao longo do filme – resvalam abaixo do mediano, na maioria das cenas.

A ligação entre a vida pessoal de Wilkerson e a inspiração para a redação de Caste é mecanizada e forçada. Tenta transparecer desde o início do filme que existe uma motivação extraordinária que configura um certo sentido de missão para Isabel escrever a sua obra, mas na realidade o ímpeto para a sua escrita apenas parece ter sido despoletado pelas tragédias pessoais que a protagonista viveu e mesmo esse motivo é fracamente elaborado.

No geral, a narrativa é maquinal, artificial e pretensiosa, o que suponho e reitero que não faça de todo jus à vida e obra de Isabel Wilkerson. O filme pretende lisonjear o percurso literário e a obra da agraciada com o prémio Pulitzer, mas articula demais, de forma afincadamente sôfrega na tentativa de passar uma mensagem, mas acaba por não passar mensagem nenhuma a não ser que há uma plasticidade flagrante em Origin que incomoda, sendo incapaz de passar despercebida e que é reforçada pelo notório pedantismo e soberba de querer galgar o que não se consegue.

1.5/5
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