One of Them Days — a estreia do prolífico realizador de videoclipes musicais Lawrence Lamont numa longa-metragem, que junta a brilhante e subvalorizada Keke Palmer e a estreante SZA numa tragicomédia sobre o dia de pagar a renda — é uma raridade.
A arte de uma boa comédia que combine o absurdo e hilariante com um forte núcleo temático e emocional tem estado praticamente reservada ao formato televisivo. Fruto da falta de investimento neste género para o grande ecrã pela parte dos estúdios, as comédias igualmente inteligentes e aconchegantes que outrora lideravam o cinema, são agora renegadas para plataformas de streaming onde eventualmente se afundam num mar do chamado “conteúdo,” incessantemente renovado e regurgitado. Por isso mesmo, é impossível não sentir o nosso coração crescer ao ver One of Them Days no cinema.
Palmer e SZA interpretam as melhores amigas e colegas de casa Dreux e Alyssa. Apesar de inseparáveis e genuinamente admiradoras uma da outra, têm personalidades completamente contrastantes. Dreux é do tipo “temos que ter um plano,” enquanto Alyssa reza mais no altar do “tudo se há de compor.” Uma trabalha arduamente num diner com um horário rígido e intenções de se tornar manager, a outra é artista plástica com um ritmo de vida muito mais relaxado e sem grandes ambições.
A narrativa é condensada em pouco menos das 24 horas do primeiro dia do mês, e, portanto, o dia de pagar a renda, coincidindo, por acaso, também, com o dia da entrevista de trabalho de Dreux para conseguir a tal promoção. As protagonistas têm um historial de se atrasarem com o pagamento, levando o ganancioso senhorio Uche (Rizi Timane) a ameaçá-las com um despejo caso tal volte a acontecer. O pior é que Alyssa, cuja fraqueza são os homens, confia o dinheiro da renda ao seu namorado Keshawn (Joshua Neal), só para este, desempregado e a viver de graça no apartamento das amigas, o usar para começar um novo negócio de t-shirts.
Sem dinheiro e com oito horas para o desencantar, arriscando ficar sem teto, Dreux e Alyssa embarcam numa odisseia rocambolesca, mas altamente relatable, para pagar a renda estupidamente inflacionada de um apartamento a cair de podre num bairro maioritariamente afroamericano, no processo de ser gentrificado pela classe média branca.
A definição deste prazo final é um método testado e comprovado de fazer qualquer narrativa mais emocionante e One of Them Days não é exceção. Vemos o tempo passar e ficamos ansiosos pelas duas mulheres, mas especialmente por Dreux que vê o dia da sua vital entrevista ser descarrilado por circunstâncias sobre e pelas quais não tem nem controlo, nem responsabilidade.
É impossível não torcer por Dreux, graças ao carisma inigualável de Palmer, mas também por mérito do argumento de Syreeta Singleton (colaboradora recorrente da produtora Issa Rae em séries como Insecure, 2016-2021, e Rap Sh!t, 2022-2023). Ainda assim, talvez o principal sucesso deste seja mesmo a forma como consegue fazer-nos simpatizar com Alyssa, cujas ações causam, repetidamente, a maioria dos problemas deste dynamic duo. Mas SZA é tão genuína no papel e há tão pouca maldade em Alyssa que rapidamente a perdoamos — nós e Dreux. De facto, é a generosidade e camaradagem entre as duas protagonistas, ancoradas numa química rica entre as duas atrizes, que dá tanta vida e cor ao filme. Palmer e SZA recorrem frequentemente ao improviso, dando aso a várias das mais engraçadas cenas do filme, ainda que sem nunca perder de vista o foco da narrativa: a amizade entre Dreux e Alyssa.
Pelo meio, a dupla vai-se cruzando com um conjunto de hilariantes personagens secundárias interpretadas por um elenco de luxo, incluindo Vanessa Bell Calloway (Coming to America, 1988), Lil Rel Howery (Get Out, 2017), Katt Williams (Friday After Next, 2002), e Janelle James (Abbott Elementary, 2021-).
O brilho de One of Them Days está no seu uso da hipérbole e, novamente, do absurdo, para representar as angústias muito pertinentes da atual geração de jovens adultos ligadas à crise da habitação. Consegue, através da comédia, entregar reflexões importantes sobre a diferença de classes, o racismo sistémico e o falhanço do sonho americano. Para tudo isto, Singleton e Lamont apontam uma possível solução: a comunidade ou o poder que a solidariedade entre um grupo de pessoas tem para fazer frente às injustiças do sistema.
O seu argumento é perspicaz e de uma atenção ao detalhe fantástica, a sua história tem tanto de atual como de universal, as suas protagonistas funcionam muito bem juntas (sendo que Palmer prova novamente ser dos talentos mais mal explorados da sua geração), a sua realização e montagem são competentes, proporcionando um ritmo estimulante, e a sua comédia atinge quase sempre as notas certas. Sendo assim, pouco há que apontar a One of Them Days, tirando talvez algumas sequências menos bem oleadas ou certas personagens-tipo que se sentem repetitivas/antiquadas. Acima de tudo, é uma comédia que enche as medidas, revelando uma intencionalidade e um discernimento que são cada vez mais raros em filmes do género. Uma autêntica lufada de ar fresco liderada pela sempre destemida Keke Palmer.