Em 1975, o homem que viria, mais tarde, realizar filmes como Amadeus (1984) e Man on the Moon (1999), Miloš Forman, propôs-se a explorar não só o conceito de loucura e rebeldia, mas também o espaço, e de certa forma importância, que ambas ocupam na essência do ser humano.
R.P. McMurphy (Jack Nicholson) é um homem aprisionado que finge insanidade para fugir ao trabalho comunitário e acaba por ser transferido para um asilo. Com o passar do tempo, começa a fazer algumas amizades e a combater contra a tirania da enfermeira Ratched (Louise Fletcher), que explora as fraquezas dos doentes para estabelecer o seu poder.
A forma como esta história é executada é incrivelmente notável. O descabimento começa logo com o nosso protagonista, que, obviamente, não consegue viver no meio da sociedade. Porém, quando colocado no asilo, Forman engana a audiência ao criar a sensação que McMurphy é “normal” quando contrastado com o comportamento dos outros pacientes, atribuindo uma estranheza a esta experiência, que convida uma audiência curiosa a explorar e a conhecer este ambiente. Contudo, McMurphy continua a ser o deslocado, pois é o único que não se conforma com a rotina deste mundo, chegando até a incentivar a mudança contra a visão de Ratched, que se mostra reticente, constantemente a mudar as regras do jogo para impedir que algo fora do ordinário aconteça.
Na superfície, o conflito é bastante claro. Tratam-se de dois opostos, sendo que num lado temos o caos, rebeldia e imprudência na personagem de McMurphy, e por outro lado, temos a rigidez, ordem e rotina personificada na visão do mundo da enfermeira. Esta distinção aparece nos detalhes, como na mudança da banda sonora, o contraste do casaco preto de McMurphy com as roupas brancas dos internados e as batas das enfermeiras semelhantes a um verdadeiro culto, mas também se reflete nos confrontos diretos.
Um dos pontos mais interessantes é que o realizador não antagoniza a enfermeira, de uma forma óbvia. Ratched demonstra interesse na recuperação dos seus doentes e acredita profundamente que isso só é possível através das dinâmicas de poder que criou naquele estabelecimento. Apesar das boas intenções, Ratched acaba por transformar o asilo numa grande fábrica onde os pacientes são as máquinas. Algo que fica evidente numa cena onde Ratched manipula as emoções dos pacientes como se tivessem um botão de on/off. Outro exemplo, é uma cena onde McMurphy menciona não conseguir raciocinar ou falar com os outros pacientes devido ao volume da música, aludindo ao facto de que, neste asilo, o tratamento não se baseia em ajudar humanos a tornarem-se independentes, mas a programá-los para se poderem integrar no quotidiano. Contudo, é um quotidiano fora da sociedade e dentro do asilo, pois apesar de muitos dos pacientes serem voluntários, a sua humanidade reprimida resulta na sua dependência desta vida.
A fotografia também é incrível no seu acompanhamento da rebeldia da história, iniciando com vários planos fechados que dão uma sensação de claustrofobia e sufoco até eventualmente, à medida que McMurphy cria estatuto, utilizar movimentos de câmara que contrastam com a rigidez deste espaço e ganhar um uso de cores mais vivas, sem abandonar a sobriedade do local. Aliás, o que muda na paleta de cores não é exactamente o visual, mas o significado que o argumento acaba por atribuir ao passo da mudança de dinâmicas.
A forma como o argumento dá tempo aos pacientes de se habituarem ao “tornado” McMurphy torna o ambiente bastante realista. Não é algo que acontece de rompante e sem qualquer motivo; os pacientes são incentivados. É notória a timidez e hesitação inicial misturada com a excitação de conhecer novas emoções e fazer algo diferente. O tímido levantar de mão, mais tarde passa para exigências e protestos concretos.
One Flew Over the Cuckoo’s Nest explora sobretudo a prisão mental. Trabalha o conflito entre caos e ordem, liberdade e opressão. Por um lado, não se pode ter liberdade sem caos, e por outro lado, é impossível ter ordem sem qualquer tipo de restringimento. Trata-se de compreender a importância que a ordem pode ter para o funcionamento em sociedade, mas que o caos é fundamental para a humanidade. Mesmo que a ordem possa ser quebrada, é substancialmente mais difícil largar o desejo de saber que podemos ser mais daquilo que somos.
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[…] que parecia compreender tudo aquilo que atormenta a alma humana. Dando alguns exemplos, com o filme One Flew Over the Cuckoo’s Nest (1975), Forman argumenta a insanidade e como essa se relaciona com a necessidade que o ser humano […]