O Teu Nome É (2021)

de Rafael Félix

(Filme em exibição no Festival Política em Loulé)

Gisberta Salce Júnior foi espancada, torturada e violada durante duas semanas, culminando num brutal homicídio às mãos de catorze menores, com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos. Mulher trans, imigrante, seropositiva, toxicodependente e sem-abrigo, Gisberta habitava o edifício abandonado onde acabaria por morrer e onde acolheu dois jovens que acabariam por estar, direta ou indiretamente, envolvidos nas atrocidades cometidas durante aquele mês de Fevereiro de 2006.

O segundo documentário de Paulo Patrício utiliza uma belíssima animação, tal como fizeram filmes como Waltz With Bashir (2008) e mais recentemente Flee (2021), para dar voz e vida aos relatos destes dois jovens sobre a sua relação com Gisberta e também às amigas que falam sobre uma pessoa de espírito seguro, desesperadamente a tentar integrar-se, e de uma fragilidade económica, social e de saúde tal, que dão uma nova camada de barbaridade a atos que, por si próprios, já contam com a sua cota-parte de selvajaria.

No entanto, O Teu Nome É não parece vir de um espaço mental de revolta, apesar da naturalidade do sentimento à medida que ouvimos os entrevistados. Em vez disso, o documentário preocupa-se em devolver a humanidade que tão cobardemente tentaram roubar a Gisberta durante aqueles dias, através das palavras das suas amigas, lembrando que antes do mundo ter ganho um símbolo da luta trans, foi também perdida uma vida inocente pelo caminho. Ao mesmo tempo, a introspecção que os dois jovens fazem sobre os acontecimentos de há mais de 15 anos nunca é enquadrada de forma hostil, pelo contrário, é-lhes dado espaço e até algum nível de compreensão enquanto se discute as origens do preconceito, a classe social e as motivações por trás do homicídio de Gisberta.

Por defeito, O Teu Nome É não é um documentário que explore necessariamente estes temas aprofundadamente, salvo pelo meio de desabafos e confissões sinceras e humanas sobre o ódio irracional ao distinto e as fragilidades do espírito juvenil. Em troca oferece-nos o reacender de uma memória que nunca se deve extinguir, com particular urgência hoje quando vemos uma imprensa inundada de transfobia impune numa sociedade portuguesa ainda tão refém dos seus velhos e brancos costumes que teima em não perder.

A beleza quase pré-adolescente da animação em prol de uma história tão mergulhada em violência como a de Gisberta, cria um contraste apropriado para os factos narrados nos relatos. É este contraste que dá vida a um documentário que nos lembra que o preconceito não é inato, é herdado e absorvido. São filmes como O Teu Nome É – sobre pessoas que viveram e morreram por aquilo que eram, pela sua identidade e por saberem quem eram e quem queriam ser – que nos permitem, como sociedade, mudar esta narrativa que há demasiado tempo é escrita com o sangue de quem só quer exercer o seu direito de viver.

3.5/5
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