O Rescaldo do 18º IndieLisboa

de Margarida Nabais

No seu segundo ano a apostar no funcionamento presencial em época pandémica, a 18ª edição do IndieLisboa já veio e já foi. Assim, ao longo de 17 dias, de 21 de agosto a 6 de setembro, a audiência cinéfila portuguesa teve à sua disposição mais de duas centenas de filmes exibidos em diferentes locais culturais da cidade de Lisboa. Contando ainda com as habituais sessões de cinema ao ar livre e a secção do IndieJúnior, o programa especial para os mais novos, o festival manteve muitas das suas regulares tradições. Acima de tudo, cumpriu a sua autoproclamada missão de simultaneamente descobrir talentos emergentes e redescobrir autores de renome.

Tal como o nome indica, a programa do IndieLisboa foca-se predominantemente em expor produções independentes e “obras que se encontram fora do radar”[1]. Não obstante, isto não é sempre o caso, especialmente no que toca a filmes fora de qualquer tipo de competição, como foi o caso do titular da sessão de abertura, Summer of Soul (…Or When The Revolution Could Not Be Televised) (2021), de Questlove. Por já se encontrar disponível em Portugal nos serviços streaming, apresenta-se como uma escolha aparentemente peculiar, contudo o tema central da longa-metragem acaba por se alinhar a outro pilar desta edição do festival – a retrospetiva Sarah Moldoror. A realizadora francesa, de quem a oeuvre é conhecida pela sua dimensão militante e anticolonialista, é uma figura importante na afirmação da cultura negra no cinema. Neste sentido, a retrospetiva integral co-programada com a Cinemateca Portuguesa foi lá prolongada até ao fim do mês de setembro.

O outro rosto em destaque no festival foi o de Camilo Restrepo, que teve o seu trabalho em foco na secção Silvestre. O cineasta colombiano, já uma presença familiar na programação do IndieLisboa, foi escolhido pelo seu estilo assente na “polissemia das palavras e das imagens”[2], por as obras serem tão críticas do passado e presente do seu país natal, como experiências sensoriais. No fundo, é muito esta conjugação inovadora de elementos diferentes, porventura até considerados opostos, que caracterizam a secção do qual é a cara.

Além dos seus filmes, foram então exibidas outras longas e curtas-metragens dos mais variados autores, sendo o objetivo a partilha de obras que rejeitem as normas convencionais do cinema. É, portanto, nesta ala do festival que se encontraram os trabalhos mais experimentais ou, no mínimo, peculiares, do programa. Entre eles, o grande vencedor do Urso de Ouro do festival de Berlim, Bad Luck Banging Or Loony Porn (2021), de Radu Jude, teve a sua estreia nacional, ainda que tenha sido By the Throat (2021), uma exploração do discurso humano realizado por Effi e Amir, o recetor do Prémio Silvestre para Melhor Longa-Metragem.

Por outro lado, na secção da competição internacional, voltou-se a verificar uma extensão dos temas de conscientização social que prevaleceram nesta edição do Indie, certamente como reflexo dos acontecimentos do ano passado e da crescente preocupação e interesse em tais questões. Les Prières de Delphine (2021), de Rosine Mbakam, vencedor do Grande Prémio de Longa-Metragem Cidade de Lisboa, é um documentário incrivelmente pessoal e co-criativo, cuja essência é maioritariamente interseccional, sendo que discute as ligações entre género, classe e etnia, através de uma só vida. O Prémio Especial do Júri Canais TVCine, que corresponde à aquisição dos direitos do filme para Portugal, por sua vez foi entregue a The Inheritance (2021), de Ephraim Asili, uma longa-metragem que, em contrapartida, explora o coletivo através do acompanhamento de uma comunidade de artistas e ativistas negros em Filadélfia.

No meio de tanto reconhecimento de obras internacionais, o foco do festival permanece, no entanto, virado para o nosso próprio país, sendo um dos seus maiores objetivos a promoção e descoberta de filmes e cineastas portugueses. A secção competitiva dos Novíssimos, por exemplo, é constituída por curtas-metragens de jovens cineastas que estão a dar os seus primeiros passos na indústria, sendo estas realizadas tanto em contexto escolar, como independentes de qualquer apoio. Também a Competição Nacional acaba por revelar outros projetos semelhantes, este ano apresentando especialmente uma seleção variada.

Ainda assim, não houve grandes surpresas no que toca ao vencedor de Melhor Longa-Metragem, tendo o prémio sido atribuído ao tão esperado No Táxi do Jack (2021), filme da realizadora mais consagrada do conjunto, Susana Nobre. É uma obra que mescla o documentário com a ficção através da pessoa e personagem que é Joaquim Calçada, Jack, um emigrante português regressado dos Estados Unidos ao fim de décadas. Todavia, para o Prémio de Melhor Realização para Longa-Metragem Portuguesa, foi a mão estreante de Marta Sousa Ribeiro em Simon Chama (2021) que acabou por conquistar o Júri. Filmado ao longo de cinco anos e englobando diferentes formatos, capta o desenvolvimento físico e mental de um rapaz a tentar lidar com o divórcio dos pais e das maneiras como isso molda o seu futuro.

Apresentação da sessão de No Táxi do Jack

Por fim, foi com o tom idílico de Paraíso (2021) que a 18ª edição do IndieLisboa fechou. É o mais recente filme de Sérgio Tréfaut, no qual o cineasta regressa ao Brasil para gravar um ponto de encontro entre um grupo de idosos com amor ao canto e à música brasileira, tendo tido direito a uma estreia em salas após a sua dupla exibição no festival. Deste modo, dado por terminado o festival, continuam disponíveis alguns outros cartuchos deste género, entre os quais estão incluídas as LisbonTalks, discussões entre alguns dos cineastas destacados, que estimulam uma maior reflexão sobre os seus filmes.

LisbonTalks

Para o ano, está decidido que há mais. As inscrições de filmes para a 19ª edição já estão abertas e temos encontro marcado de 28 de abril a 8 de maio de 2022, seguramente com as mesmas tradições e talvez com umas novas.


[1] https://indielisboa.com/indielisboa/o-festival/

[2] https://indielisboa.com/foco-silvestre/

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