Os pássaros e as aves são provavelmente a analogia mais associada ao conceito de liberdade, ao que as suas asas e habilidade de voar simbolizam a expressão e a ausência de restrições. Contudo, é comum comparar um pássaro preso numa gaiola a um humano limitado pelos seus medos e problemas. Então, o que implica um pássaro estar enjaulado e não poder voar, ou uma pessoa não se conseguir libertar?
Surge, assim, O Pássaro de Dentro como uma pequena reflexão sobre como as batalhas com a saúde mental entram em conflito com a saúde física. Da estudante Laura Anahory, a curta-metragem de animação em 2D, de cerca de 6 minutos, produzida pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa do Porto, integrou a secção La Cinef do Festival de Cannes, dedicada a filmes realizados por alunos de várias escolas de cinema no mundo.
O Pássaro de Dentro tem como únicas personagens uma mulher, numa luta constante consigo mesma, e um pássaro, que habita dentro dela. O filme demonstra, sem qualquer diálogo e através de desenhos em carvão e técnicas mistas de animação, como os dois acabam por se magoar mutuamente, especialmente a mulher, devido à sua incapacidade em coexistir um com o outro. O pássaro anseia voar e a mulher está presa na sua própria desolação.
O Pássaro de Dentro beneficia de aspetos como a música que, num filme sem falas, sobressai, naturalmente, mais que o normal. Neste filme em particular, serve muito bem o seu propósito de captar as emoções extremas sentidas pela mulher. O mesmo se revela com a clara transição de cores: de tons claros amarelados e azulados, para um amarelo e vermelho intensos, culminando num azul-escuro forte que, no final, circula para as tonalidades suaves iniciais. Esta gradação separa nitidamente um primeiro estado de melancolia, seguido de uma raiva e fúria imensas, resultando numa profunda depressão que, ultimamente, retomam a algo mais passivo. No entanto, ainda nesta perspetiva e tendo em conta determinadas partes específicas, o filme dá asas a várias interpretações subjetivas e diferentes do seu desfecho, mais otimistas ou pessimistas, o que também é sempre algo a valorizar na arte e permite aprofundar a cogitação sobre o tema.
A curta-metragem consegue, numa harmoniosa e contemplativa composição artística, em poucos minutos, mostrar os desafios que enfrentamos todos os dias numa tentativa de equilibrar o bem-estar mental com o físico. Prova-se, assim, que, por vezes, o que faz um filme ser bom são aspetos como a simplicidade das personagens, dos cenários e, especialmente, técnicas artísticas mais cruas e humanas, onde se nota facilmente o toque pessoal e individual de alguém.
O Pássaro de Dentro reflete-se, desta forma, como uma bonita e afável representação de algo tão brutal como os problemas na saúde mental e o seu impacto no corpo físico. É necessário arranjar forma de balancear os dois aspetos, aprender a aceitar a instabilidade que advém e perceber que o oposto de depressão não é felicidade, mas sim expressão. No fim, há que dar asas a um pássaro.