A história de Diana Nyad pode não ser a mais popular de todas as histórias de perseverança e feitos desportivos, mas dificilmente encontramos outra que faça tanto jus à frase inspiradora “nunca desistas dos teus sonhos!”. Este filme da Netflix tem duas nomeações para o Óscar, nomeadamente para melhor actriz principal e melhor actriz secundária, sendo uma opção interessante para esta fase de contagem decrescente até à cerimónia de entrega das estatuetas douradas.
Nyad retrata a história verídica da nadadora Diana Nyad (Annette Bening), que durante mais de 30 anos alimentou o sonho de um dia nadar de Cuba até Florida, trajecto considerado por muitos como impossível. Aos 61 anos juntou uma equipa para a ajudar a tentar alcançar o feito inédito. Porém, os traumas do passado têm tanto de impulso para Diana ser determinada, como têm de alimento para os seus medos mais profundos.
Annette Bening é objectivamente uma actriz extraordinária. Sê-lo-ia sempre se esta performance não existisse, só reforça esse lugar restrito na categoria dos Grandes com o seu papel em Nyad, no entanto será talvez necessário recuar até The Kids Are All Right (2010) para descobrirmos um nível semelhante de excelência da actriz norte-americana. As oportunidades para personagens da sua idade que sejam desafiantes e impactantes não têm sido muitas mas, felizmente, apareceu este projecto realizado pelos produtores e realizadores do premiado Free Solo (2018), Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi.
O enredo é bastante alimentado pela forte presença do carácter de Diana, que mantém a curiosidade sobre o que nos leva ao filme, as 103 milhas a nado de Cuba até Flórida.
Já Jodie Foster surge na equação no mais puro significado da expressão “supporting actress”. Tal como Bonnie (Jodie Foster) é a âncora de Diana, Jodie representa isso mesmo na performance de Annete Bening. É uma interpretação reveladora de humildade e empatia, não sendo ainda assim um papel que se preveja ficar no hall of fame da actriz já vencedora de dois Óscares como actriz principal. Não existiria Nyad se não existisse Bonnie e nesse sentido, é relevante realçar o trabalho dinâmico de Foster como melhor amiga, treinadora e por vezes quase psicóloga da protagonista.
A travessia que Nyad percorre entre tentativas falhadas e recomeços que cada vez mais desafiam as probabilidades é também um percurso interior por atravessar, cuja urgência se torna evidente a cada minuto da narrativa. A adaptação desta história para cinema foi feita pela própria Diana em colaboração com Julia Cox na forma do argumento, que terá sido escolha da própria que o foco do filme fosse o sonho do recorde e não outros temas íntimos mais sensíveis. O caso mais gritante remete-nos para as acusações de crimes sexuais alegadamente cometidos pelo antigo treinador de Diana, quando a mesma tinha 14 anos. O tempo de antena que este assunto detém é reduzido e pouco explorado, provavelmente por questões legais. De qualquer forma, é impossível tomar conhecimento das acusações e não criarmos relação entre essa fase da vida da super nadadora e a persona criada já como adulta, que procura esconder um conjunto de inseguranças por resolver, que fazem da personagem que conhecemos no ecrã uma pessoa complexa, incrivelmente inspiradora, mas também intensamente autocentrada. No fundo, em constante busca de quem realmente é e de uma necessidade de validação obsessiva que afasta a maior parte das pessoas de si, contudo que a aproxima de um marco absolutamente notável e ímpar. Nós podemos ser comandados por medos ou sonhos e muitas vezes os sonhos provocam medo e os medos comem sonhos. A fome de desafiar a lógica e fazer o que nunca antes foi feito é alimentada pela mesma panela que alimenta e expande os muros pelos quais nos fazemos rodear. Cabe à decisão que tomamos a cada dia se oferecemos comida ao que só nós conseguimos ver, ou se o fazemos ao que todos decidem ser o limite.
Nyad não é o filme do ano, nem estará perto disso. É um filme desportivo sobre sonhos que nunca morrem e que se recusam a ter data de validade. É sólido, sem exuberâncias nem pontos negativos graves. A verdade é que tem a força suficiente para puxar pelo cheerleader que há nós e nos fazer entoar cânticos de apoio a Diana, prometendo uma lágrima no canto do olho quando se vislumbra terra firme para os créditos finais.