No Táxi do Jack (2021)

de Margarida Nabais

Com estreia nacional na 18ª edição do IndieLisboa, onde ganhou o prémio de Melhor Longa-Metragem Portuguesa, No Táxi do Jack é a terceira longa-metragem de Susana Nobre. Como tal, apresenta-se como uma clara herança da oeuvre da realizadora, reunindo em si múltiplos aspectos já explorados em produções anteriores, agora postos em primeiro plano.

Como protagonista, Joaquim Veríssimo Calçada é uma personagem da chamada “vida real”, com o seu casaco de cabedal e cabelo à la Elvis Presley. Aos 63 anos, é forçado a cumprir as regras do centro de emprego para poder usufruir do subsídio de desemprego até à sua iminente reforma. Assim, apesar de saber que nunca voltará à vida ativa laboral, durante três meses Joaquim tem de ir de empresa a empresa pedir carimbos para atestar que está à procura de emprego. Nestas viagens, recorda a sua vida de imigrante em Nova Iorque, onde trabalhou como taxista. 

Susana Nobre conheceu a sua estrela há mais de dez anos através do programa “Novas Oportunidades”, uma iniciativa do governo que tinha como objetivo facilitar o acesso à escolaridade por parte da população portuguesa. Assim, de 2007 a 2011, a cineasta entrevistou dezenas de pessoas, um processo que filmou para a sua primeira longa, Vida Ativa (2013), e que lhe despertou o desejo de dar forma às histórias que ouviu durante esses anos. Desse impulso, nasceu Provas, Exorcismos (2015), uma curta-metragem que tem como narrativa a insolvência de uma fábrica, contada a partir de um estilo docuficcional e onde primeiro conhecemos Joaquim Calçada, uma personagem que involuntariamente se destaca das outras. No Táxi do Jack é, deste modo, a continuação de um longo percurso da realizadora, no qual assume formalmente a maleabilidade da sua não-ficção.

Logo, é através de uma explícita encenação de acontecimentos que partimos neste autoproclamado “road-movie fechado”, no qual o espectador é movido pelo poder nostálgico da memória, numa viagem entre territórios geográficos e temporais. As experiências de Joaquim são, por isso, uma porta aberta para as de tantos emigrantes portugueses da sua geração, construindo uma ponte entre a austeridade portuguesa à saída do Estado Novo e a prosperidade económica dos Estados Unidos, que se sustentava da ideia do “sonho americano”. Mas se por um lado as suas histórias são reconstituídas com um certo passadismo cómico, chegando a incorporar um estilo reminiscente às obras urbanas de um jovem Scorsese, também é com toda a naturalidade que o ex-taxista desmistifica a “Big Apple”, comparando as ruas de Vila Franca de Xira com as de Nova Iorque.

Deste modo, a luz mais dura do presente não se deixa sair do campo de visão, sendo a partir desta  que se coloca tudo o resto. É no hoje, por entre as críticas às burocracia do estado social, que se encontra a amizade, e romance e a beleza improvável do quotidiano, capturada a 16mm pela mão experiente de Paulo Menezes. A já habitual preferência da realizadora pela câmara estática complementa cada plano moroso, numa estética granulada que transmite a existência nostálgica de quem está prestes a alcançar a meta final que a reforma representa. 

No entanto, por vezes é difícil perceber quem nos está a conduzir por estes diferentes espaços de uma história tão pessoal. Se por um lado é a voz do protagonista que ouvimos, claramente são as palavras de Susana Nobre que compõem o seu discurso cuidadosamente arquitetado. Embora a sua essência genuína e autêntica nunca seja posta em causa, há, ainda assim, uma dinâmica estranha entre o Joaquim do filme enquanto indivíduo e enquanto personagem, ou até mesmo ator. 

Neste sentido, no jogo metalinguístico que a cineasta construiu na fronteira curiosa entre o documentário e a ficção, questiona-se o seu objetivo geral. Ou melhor, o destino da viagem concêntrica deste road-movie, ao longo do qual, devido à sua curta duração, uma viragem para o sentido errado ou mera deambulação se torna, porventura injustamente, muito mais impactante para a obra final. 

3.5/5
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