Nightmare Alley (2022)

de Pedro Ginja

O poder da redenção é algo comum a todo o Homem. A possibilidade de expiar os pecados que nos atormentam o sono e nos consomem lentamente a cada noite que passa. Como um pesadelo no qual temos os olhos abertos ininterruptamente e em que a nossa vontade é um acumular de desculpas para evitar enfrentar o que fizemos. É isto que Guilhermo del Toro nos quer fazer viver neste filme, desde os primeiros fotogramas em que Stanton Carlisle (Bradley Cooper) surge, fora de contexto, a “apagar” a sua culpa.

Guilhermo del Toro e Kim Morgam escrevem o argumento baseado no livro com o mesmo nome, de William Lindsay Gresham de 1946, sendo esta já a segunda adaptação do livro ao cinema. A primeira aconteceu em 1947 e foi realizada por Edmund Goulding com Tyrone Power, Joan Blondell e Coleen Gray nos principais papéis, sendo considerado um grande exemplo de film noir, em plena década de ouro do género. Esta versão, por seu lado, foi anunciada em 2017 logo após o último filme de Del Toro – The Shape of Water – em que foi, finalmente, reconhecido pelos seus pares e ganhou inúmeros prémios. Nightmare Alley marca, no entanto, novos terrenos para del Toro ao abandonar os elementos de fantasia, tão característicos da sua obra, e a dedicar-se ao género noir, no qual se debruça sobre o lado negro/oculto do circo e da alta sociedade nos loucos anos ’40.

Mais concretamente, acompanha um homem – Stanton Carlisle – em busca de uma vida diferente no circo e onde acaba por encontrar o amor com Molly. Será ela o seu bilhete para a redenção e para uma vida melhor longe dos seus demónios e dos obstáculos criados por uma mulher em busca de vingança?

Del Toro começou a adaptação diretamente do livro (sem ver a versão cinematográfica), que o próprio admite ser tão vasto que seria impossível colocar tudo o que está no livro no ecrã de cinema. Era uma tarefa hercúlea e que, acima de tudo, precisava de apresentar as personagens e mostrar quem são e o que as move no mundo. É, por isso, um filme que usa o tempo a seu favor, em que durante um período de tempo nada parece acontecer além da vida, do dia-a-dia, das personagens no ambiente de circo e que servem de porto de abrigo para um Stanton Carlisle (Cooper) em fuga de si próprio. É neste mundo circense que vemos alguns vislumbres de Del Toro, nos adereços usados, nos elementos de terror e na construção de um mundo de exploração dos renegados/excluídos da sociedade mas bem longe dos seus habituais temas e dos seus amados monstros.

Com o tempo, apercebemo-nos que os verdadeiros monstros não são os que esperamos mas sim a própria sociedade. Stanton Carlisle (Cooper) em constante busca de redenção, procura reinventar-se e ser alguém na vida. Consegue, entre os excluídos, o que apenas eles lhe poderiam dar – uma segunda oportunidade. Há aqui uma dicotomia sonho-pesadelo em que Stanton parece viver, preso no pesadelo dos seus pecados e procurando a vida com que sempre sonhou, saltitando entre um e outro até fazer a sua escolha final e finalmente perceber onde está o seu destino. Bradley consegue, com o olhar, mostrar essa constante luta entre o passado e a busca de um futuro – amargurado e magnético ao mesmo tempo e, como todos, com o único desejo de ser visto – de ser amado. Consegue-o com Molly (Rooney Mara – presa a um papel de uma mulher inocente iludida pelo amor) e com a família “adotada” circense. Esta primeira metade do filme acaba por ser o paraíso de Stanton (Cooper) lentamente corroído por uma alta sociedade presa, também, a um passado para o qual busca a redenção. 

Assim como Spielberg antes dele, com West Side Story, Del Toro cria uma bela homenagem a um género cinematográfico que ama – Film Noir – e demonstra-o no ecrã com cenários sumptuosos e uma atenção aos detalhes de uma era esquecida da história de Hollywood enquanto constrói um “American Dream” podre e assente na ganância, mentira e corrupção de uma alta sociedade intoxicada com o seu poder, personificada no sinistro e assustador Ezra Grindle (Richard Jenkins) e na femme fatale Lilith Ritter (Cate Blanchett – a roubar o filme de Copper no pouco tempo que partilham o ecrã). A interpretação de Bradley Copper, apesar de não tão intensa como Jenkins e Blanchett, não deixa de nos emocionar e servir como um alerta ao poder destruidor da mentira. Não procurem sorrisos aqui porque não os vão encontrar, só um eco sonoro de apreço dos antigos mestres do noir.

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