Napoleon (2023)

de Guilherme Teixeira

Ridley Scott está de volta com um épico que pretende contar a vida de um dos mais famosos generais, Napoleão Bonaparte (Joaquin Phoenix), desde os seus primeiros passos no exército francês, até à sua ascensão como imperador de França e à sua inevitável queda.

O tempo de espera para este filme provavelmente não supera o tamanho da decepção quando alcançamos os créditos finais. E, caros leitores, para que não restem dúvidas, isto diz bastante sobre a magnitude da decepção.

Existiam bastantes motivos para desconfiar desta produção, principalmente quando foi anunciado um Director’s Cut com cerca de quatro horas que seria lançado na plataforma de streaming da Apple Tv+. Por norma, quando uma nota deste tipo é lançada antes mesmo do filme estrear nas salas de cinema, é motivo mais do que suficiente para desconfiar da confiança dos produtores em relação à obra final.

Apesar de dar umas pinceladas na sua vida militar e política, a narrativa baseia-se nas cartas trocadas entre Napoleão e Josephine Bonaparte (Vanessa Kirby), sendo que o foco do filme parece ser a sua relação, ou a falta dela.

O filme possui um ritmo bastante arrastado. Chega a um ponto em que os questionamentos que surgem sobre certo evento são mais provenientes da desilusão da história estar constantemente a chegar a becos sem saída, do que propriamente relacionados com um genuíno interesse sobre o destino das personagens apresentadas. É difícil compreender o propósito deste filme. Certo, que é baseado e foca-se na relação entre Napoleão e Josephine. Legítimo pegar na parte menos interessante da vida do suposto general que veio do nada e conquistou tudo, porém, tendo em conta a direção que o filme toma, parece que existe uma tentativa, que falha redondamente, de justificar a grandeza que Napoleão teve na história. E por que falhou? Bem, para começar, em termos de batalhas, o ratio não é lá muito favorável. As únicas que saltam à memória são o cerco de Tulon, a batalha de Austerlitz e Waterloo. Existe também a campanha do Egito, mas o filme trata prontamente de ignorar essa situação em prol do arco dos dois protagonistas. Tendo em conta que existe um esforço para o pintar como um génio no campo de batalha, mostrar apenas duas vitórias, não explorar as suas consequências, e mostrar uma valente derrota, meio que destrói o próprio argumento.

Nota-se, claramente, a existência de uma versão com mais duas horas desta história. Quem diz isso, diz “espero” pois os seus cortes são feitos em pontos tão estranhos. Existem momentos em que certa personagem mal acaba de dizer uma frase quando a cena passa para um momento seguinte, sem sabermos se é no mesmo dia, uma semana ou dez anos depois. E tenho a plena consciência de que parece uma contradição dizer que o ritmo é arrastado, para depois afirmar que o filme necessita de mais duas horas, mas é o que é. Parece que Ridley Scott percebeu a meio que a relação entre o par romântico não era suficiente para sustentar o interesse do público e, por isso, foi mostrando outros aspetos da vida de Napoleão. O problema é que essas pinceladas eram apenas pinceladas e não acompanhadas de um desenho. Personagens e momentos da história de França que aparecem e desaparecem do nada. Há um momento em que Napoleão acusa os membros do governo de corrupção e de serem incompetentes, mas sem nunca apresentar uma justificação para isso. Será que eram mesmo? Será que era apenas uma estratégia para chegar ao poder? Não existe qualquer profundidade tanto na construção desta figura, como também na própria atuação de Joaquin Phoenix que se apresenta aqui no piloto automático.

Havia tanto para explorar, como, por exemplo, dar o contexto para as poucas batalhas que o filme mostra, um contexto político e social antes e depois da chegada de Napoleão ao poder, a importância do bloqueio continental, a relação entre Napoleão e Alexandre I, e talvez conciliar isso com os dramas da relação com Josephine. Agora, inverter as prioridades e tratar tudo isso como algo secundário é estar destinado ao fracasso. Podem argumentar que talvez esteja a julgar aquilo que o filme poderia ter sido e não aquilo que é. Sou sensível a esse argumento, embora seja bastante claro com o decorrer da longa-metragem que o interesse no arco proposto está mais focado no interesse que os atores conseguem entregar do que propriamente pelo conteúdo.

Também senti dificuldade em perceber a escolha de usar uma paleta de cores tão pobre, mas vou dar de barato na esperança de que existe uma intenção de dar um ar mais realista à história, apesar de nunca o sentir.

Vanessa Kirby acaba por ser um dos pontos fortes desta obra. Apesar do argumento fracassar neste aspecto, Vanessa consegue construir uma personagem forte e que se move bastante bem num mundo governado por homens. E é engraçado quando percebemos como consegue domar um homem que tem um ego do tamanho do seu império.

Napoleon, infelizmente, não se confirma como o verdadeiro épico sobre a vida de um dos maiores e mais controversos generais da história. Um pesar para a equipa de montagem que acredito profundamente que tenha feito das tripas coração para tentar manter alguma coerência numa história que pedia muito mais tempo para ser contada. Ficam os poucos, mas bons, momentos de Vanessa Kirby, as batalhas que, apesar de poucas, foram bastante bem realizadas, e o rigor do design de produção, que não se transpôs para o rigor histórico de algumas situações, mas isso são outras discussões. De resto, uma verdadeira decepção.

2.5/5
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