Os temas de ocultismo, surrealismo e eroticismo ecoam pelas suas histórias. Com ligações familiares ao Canadá, França e E.U.A, é com facilidade que circula por vários meios bem para além do cinema. A sua paixão pelas artes visuais e pela música levaram-na a trabalhar em inúmeros vídeos musicais (mais de 15) até que em 2011 produz e realiza a sua primeira curta-metragem, estreada no festival South by Southwest, Twelve Dark Noons (2011). Com um pé bem ancorado no terror consegue a bênção de John Carpenter que surge como actor na sua segunda curta-metragem, The Puppet Man (2016), enquanto no mesmo ano estreia a primeira longa, um documentário de nome A Message from the Temple (2016) sobre o mundo musical underground. Continuando sempre a saltar entre as suas várias paixões, adiciona a escrita de um thriller erótico com Sasha Grey, Mihara, com planos para ser adaptado ao cinema pela própria. Este ano apresentou, no festival de cinema de Sundance, a sua segunda longa-metragem e o seu regresso ao terror com My Animal. Está apresentada a realizadora, Jacqueline Castel.
My Animal acompanha a história de Heather (Bobbi Salvor Menuez), uma adolescente, apaixonada por hóquei no gelo, e o momento em que conhece Jonny (Amandla Stenberg), uma atormentada patinadora. A atracção pela fascinante e misteriosa Jonny é grande e a relação torna-se, gradualmente, mais próxima. Com o desejo cada vez mais intensificado torna-se cada vez mais difícil controlar o seu lado animal, um legado herdado do seu pai.
Jacqueline Castel explora o lado animal num tempo da nossa vida em que as transformações são também muito intensas – A adolescência. Quando chega a noite de lua cheia tudo duplica de intensidade para Heather. As hormonas e o seu lado animal retiram qualquer noção de controlo que possa pensar ter. Essa metáfora, habitual nos filmes de lobisomens, surge ancorada no amor queer entre Heather e Jonny. Para a história funcionar é fundamental uma química forte entre ambas e ninguém desilude neste capítulo. Tudo conspira para o sucesso absoluto desde os olhares, os diálogos em crescendo de tensão sexual, o sentimento de perigo constante (fruto da licantropia de Heather) e todos os antagonistas que vão surgindo na história e que culminam na cena de sexo mais memorável no cinema nos últimos tempos. O ambiente é criado com a música slow dos anos 90, a fotografia luminosa adiciona o elemento de uma fantasia concretizada enquanto o slow-motion descarado exacerba a emoção e a relevância do momento. Todas estas características poderiam dar a este momento demasiado cringe factor mas é pelo exagero propositado que funciona.
Bobbi Salvor Menuez é, de longe, o elemento mais forte deste duo graças à atenção total do argumento na sua personagem e na maneira como equilibra os dois lados da balança entre controlo e descontrolo. A actriz exsuda uma aura de inocência e ingenuidade, típica da adolescência, perante o caos que lentamente se forma. Também ajuda a sua fisicalidade andrógina poderosa. Amandla Stenberg não tem tanto tempo para construir Jonny porque o principal objectivo do argumento é manter uma aura de mistério constante sobre ela. Descobrimos alguns pormenores mas nunca há uma pessoa de carne e osso ali, apenas uma fantasia. Com papéis secundários mas relevante na história temos Heidi von Palleske e Stephen McHattie como Patti e Henry, mãe e pai de Heather respectivamente. Em Henry temos o amor, a ternura e a compreensão de alguém que partilha a maldição de Heather e Stephen McHattie mostra-o em cada centímetro da sua face. Patti, por outro lado, é uma mulher amargurada e desiludida com a vida. O amor e o instinto protector estão claramente presentes mas há uma raiva e inveja a borbulhar em cada linha de diálogo. Heidi von Palleske transporta toda essa contradição nas inflexões de voz, é notável nas cenas embriagadas plenas de mágoa e ressentimento enquanto, logo a seguir, é capaz de revelar um amor maior e um controlo absoluto quando Heather dela necessita. Uma interpretação assombrosa.
A fotografia é deliciosa ao mostrar o ambiente frio e isolado da cidade com o abuso em planos individuais distantes contra a dimensão do espaço em exteriores e onde a lua surge muitas vezes como sinal do perigo sempre presente. Em interiores o caso muda de figura com planos individuais muito próximos e em que existe apenas uma fonte de luz deixando parte da cena na obscuridade, no mistério. As soluções na fotografia não se ficam por aqui e provam ser a maior riqueza no explanar da história. A própria luz vermelha, a que Bryn McCashin recorre frequentemente como sinal de perigo eminente ou de um desejo ardente na relação amorosa “eléctrica” entre as protagonistas. Há constantes distorções na imagem nestas mesmas sequências que acentuam o lado fantasioso da narrativa amorosa.
Os efeitos práticos de terror são mínimos e surgem por sugestão do que se esconde no escuro, vislumbres de olhos de lobo, em rasgos de violência (sempre muito contida infelizmente) ou no uso de imagens de lobos em momentos chave. Talvez, devido ao seu pedigree de terror, acabe por desiludir quem esperava ser “testado” nesta frente mas tal nunca acontece. Classificá-lo-ia, por isso, mais como um thriller erótico ou uma “coming of age story” de alguém em busca da sua identidade. A ambientação do filme nos anos 90 é bem conseguida através de uma interessante escolha musical. No entanto, é na fiel representação de uma realidade, desconhecida na actualidade, em que não estar contactável, a toda hora, era uma bênção/maldição e onde os jovens tinham um maior espaço para experimentar e cometer erros. O próprio tratamento de um romance homossexual é visto pelos olhos de uma sociedade ignorante, em que o medo de fugir à normalidade acaba por ser o mais assustador para as personagens – bem mais que um monstro assassino sem controlo próprio.
Jacqueline Castel mostra-se fiel às suas personagens até ao final, em que a verdade é revelada como o terror supremo. My Animal é um delírio onírico disfarçado de romance queer adolescente em que a realidade se confunde com a fantasia e logo se evapora quando piscamos os olhos. Lânguido, intenso e efémero como a adolescência, e onde o estilo triunfa sobre a complexidade narrativa mas sem nunca perder o foco. A maior pena, no entanto, é perder a sua veia de terror pelo caminho.