Em território luso, Janeiro é mês de chegarem os grandes filmes da temporada de prémios misturados com alguns dos títulos mais fracos do ano dos quais as distribuidoras só se querem ver livres o quanto antes, como se fossem lixo hospitalar. Portanto acaba por ser o filme sólido e moderadamente competente, a criatura rara deste período pós festividades.
Está encontrado.
Munich: The Edge of War chegou à Netflix no início do ano e retrata os jogos de espionagem entre um membro da comitiva britânica (George Mackay) e um elemento do corpo de imprensa do Partido Nacional Socialista (Jannis Niewöhner), enquanto tentam desmascarar as verdadeiras intenções dos alemães durante a conferência que deu origem ao Acordo de Munique em que Adolf Hitler (Ulrich Matthes), reunido com Neville Chamberlain (Jeremy Irons), Benito Mussolini e Édouard Daladier, em troca da receção de algum território Checoslovaco, se comprometia a não prosseguir as invasões em qualquer outro espaço Europeu. A História tinha ideias diferentes.
Parece um filme que já vimos várias vezes. É preciso um grande esforço para encontrar um ângulo que já não tenha sido explorado até à exaustão no que toca aos eventos catastróficos que aconteceram durante os anos 30′ e 40′, sejam eles em campos de concentração, salas onde se tomam decisões importantes, ou bares onde Michael Fassbender e August Diehl – também ele presente em Munich: The Edge of War – se enchem de chumbo mutuamente.
Dito isto, Christian Schwochow, a trabalhar sobre um romance de Robert Harris – que já colaborou em guiões de Roman Polanski –, consegue aqui, apesar de não uma lufada de ar fresco, trazer um drama de espionagem perfeitamente sólido e tenso, com nuances semi-revisionistas interessantes que trazem uma perspetiva diferente sobre ações políticas que a História veio a mostrar desastrosas. O argumento de Ben Power olha para decisões tomadas na altura por Chamberlain – que viria a morrer não muito tempo depois do início da Segunda Guerra e a quem Churchill atribuiu responsabilidades sobre o seu começo – com algum tipo de otimismo, olhando para elas como pequenos movimentos inócuos que a longo prazo viriam a colher frutos, mesmo que para isso a sua imagem pessoal viesse a ser manchada pelas gerações vindouras.
É realmente otimista e pouco provável num filme que em vez de perder o seu tempo em grandes sequências bélicas que já vimos demasiadas vezes, celebra as pequenas movimentações e os atos corajosos cometidos nas pequenas salas onde a guerra se decide pela mão de homens que a memória coletiva esqueceu e que nos forçam a lembrar que os fantasmas do fanatismo fascista não só não nos abandonaram, como vagueiam nos âmagos de quem cruza as mesmas ruas que nós e partilham as nossas vidas quotidianas. Schwochow faz questão de focar isto quando a certo ponto, e de forma muito pouco subtil, deixa fugir por entre as personagens uma crítica clara ao tipo de retórica que é raro passarmos um dia sem ouvir: “ele diz umas baboseiras mas também diz as verdades que ninguém tem coragem de dizer”. Nos tempos eleitorais em que escrevemos parece fazer soar algumas sirenes.
Estas nuances oferecem algum drama e conteúdo subtextual que de outra forma faltaria ao filme do realizador alemão que, apesar da dinâmica que dá às suas câmaras – até demais em alguns momentos – e das boas performances que retira dos seus atores, todos eles em brilhante forma, não se distingue de forma gritante de outros tantos filmes que têm agraciado os ecrãs nas últimas décadas, que partilham com ele a época retratada.
É um filme mais do que competente, que talvez peque por poucas vezes ultrapassar esse patamar, mas que entre o carisma dos seus atores e uma visão alternativa de factos históricos, constrói um drama que não desaponta e que nunca se deixa cair no aborrecimento que tantas vezes impregna este tipo de peças históricas.