A prequela que ninguém pediu, da adaptação que ninguém queria, assenta que nem uma luva neste Mufasa e no filme que lhe deu origem, o The Lion King (2019) de Jon Favreau. O êxito de bilheteira foi incontestável mas o burburinho negativo criado por toda uma geração, que cresceu com a animação original dos anos 90, também o foi na mesma medida. Nada a apontar no virtuosismo técnico e nos meios disponibilizados para essa adaptação de imagem real do clássico intemporal dos estúdios Disney mas a reverência e o respeito foram de tal ordem que não houve espaço para mostrar nada de novo. Imperdoável, no entanto, foi a falta de expressividade dos animais que com o excesso de realismo se tornaram desprovidos de alma. Um receptáculo vazio de ideias recicladas.
As expectativas estavam, por isso, em baixo para este Mufasa: The Lion King, que conta a história de origem do pai de Simba, Mufasa (V.O. Aaron Pierre) – o rei da selva. Após se perder dos seus pais, Mufasa acaba a deambular sozinho no meio da savana africana. Taka (V.O. Kelvin Harrison Jr.), uma cria de leão, acolhe-o no seu bando de leões e logo se tornam amigos. É aqui que vai conhecer o significado de amizade, família e amor mas também da inveja, vingança e traição.
É importante iniciar esta análise crítica com a afirmação de que este Mufasa: The Lion King é superior ao filme que lhe deu origem. Desde logo no ponto fulcral de conseguir dar a expressividade necessária às suas personagens, essencial para nos conseguirmos ligar aos sentimentos que transmitem. É por isso que as conexões surgem naturalmente, principalmente entre o trio protagonista de Mufasa, Taka e Sarabi (V.O. Tiffany Boone). O equilíbrio de talento vocal é evidente assim como a intensidade que empregam às cenas, fruto de um excelente casting de vozes, não tão concentrado em procurar nomes consensuais e famosos mas em escolher as pessoas certas para os papéis, facto que se estende para o elenco secundário.
Nem todas as decisões são acertadas no argumento como a escolha de colocar Rafiki (V.O. John Kani) a contar, no presente, a história do seu avô, Mufasa, a Kiara (V.O. Blue Ivy Karter). A homenagem ao passado Disney é bonita mas acaba por nos, constantemente e repetidamente, retirar da acção e do foco principal da narrativa, a evolução de Mufasa, com os constantes saltos entre o passado e o presente. Também é nestes momentos que surgem Timon (V.O. Billy Eichner) e Pumba (V.O. Seth Rogen) , colocados como adereços e usados como comic-relief da narrativa. Como adulto parecem-me despropositados e desnecessários mas foi inegável o impacto nas crianças presentes na sala, a delirar sempre que surgiam. São igualmente imprescindíveis para aliviar o inesperado ambiente pesado patente no filme mas isto acaba por ser uma espada de dois gumes pois revela, também, a falta de coragem em arriscar para além do considerado aceitável e seguro.
Este sentimento de segurança estende-se para a banda sonora composta por Dave Metzger, competente mas perdida no filme, e as músicas de Lin-Manuel Miranda, orelhudas mas com sonoridades demasiado similares. Existe uma que se eleva acima das outras e que conta o desabrochar do amor entre Mufasa e Sarabi – “Tell Me It’s You”. No papel é constrangedor, e carregado de clichês, mas a conjugação das vozes e a sequência visual de encontro entre Mufasa e Sarabi, revela uma enternecedora alma romântica. Admito, no entanto, a minha dificuldade em tolerar a introdução de elementos musicais do nada, bem patente aqui em “Bye, Bye”, em que Kiros, o novo vilão, na voz do incontornável Mads Mikkelsen, passa de ameaças de homicídio e vingança, para uma canção ritmada em que diz adeus aos seus rivais ao som de tambores.
Barry Jenkins, apesar de não participar no argumento, evidencia a sua presença no modo como estende os momentos de sofrimento como maneira de revelar a nossa força escondida, ou como expõe a coragem que brota das nossas tribulações diárias, aqui revelado na personagem Mufasa, ostracizado e denegrido pelos que o rodeiam, mas que é tal e qual como Black em Moonlight (2016). Coincidência? Talvez sim, mas é bonito pensar que o espírito de Barry Jenkins irrompe orgulhosamente nestes espaços, mesmo perante a implacável “máquina” Disney.
Mufasa: The Lion King supera as baixas expectativas e parece ter algo novo para dizer, mesmo que esse algo seja, apenas, previsível e competente q.b. Barry Jenkins surge domado mas, ainda assim, capaz de infundir com alma um formato que, constantemente, sofre para a obter.