Jesse Armstrong não perdeu tempo e, depois do fim de Succession (2018-2023) deixar milhões de fãs em modo saudades instantâneas, escreve e realiza Mountainhead, um filme que bebe do estilo de escrita e realização da série supramencionada. Qualquer semelhança entre o enredo ficcional e a nossa realidade é mera coincidência… por enquanto.
Quatro bilionários juntam-se numa casa no topo de uma montanha para um fim de semana de póquer. No que se previam dias de descontração surgem dilemas morais que envolvem a vida de cidadãos de diversos países. Quando o mundo é governado pelo dinheiro e boa parte desse dinheiro é distribuído por quatro indivíduos narcisistas, as probabilidades de o caos imperar crescem exponencialmente.
“Conhecimento é saber que tomate é uma fruta. Sabedoria é não colocar tomate numa salada de frutas”. Sabedoria popular é bastante para se sobrepor ao conhecimento sem experiência de vida e humanidade. Venis (Cory Michael Smith), Randall (Steve Carell), Jeff (Ramy Youssef) e Souper (Jason Schwartzman) são quatro homens muito frágeis, e quatro bilionários muito poderosos. Cada qual com a sua fixação egocêntrica que em última instância engole qualquer empatia para com a realidade distópica provocada pelas suas decisões e ausência das mesmas. Comédia e uma espécie de Black Mirror caminham de mãos dadas neste filme. A parte cómica nunca ultrapassa a sensação de claustrofobia que sentimos por imaginarmos este cenário a acontecer num futuro não tão longínquo assim do nosso dia a dia. No fundo, não se trata de inteligência artificial a dominar o ser humano, mas sim o ser humano a auto-destruir-se com a ferramenta da inteligência artificial. A cobra a comer o seu próprio rabo. As pessoas com maior influência a jogarem com a vida das pessoas, como quem faz uma aposta online de cinquenta cêntimos. Por vezes, é difícil aceitar que pessoas tão bem-sucedidas tenham poucos ou nenhuns princípios e escrúpulos e, ao mesmo tempo, que comuniquem de forma tão eloquente e elaborada. No entanto, não é difícil adivinhar quais as fontes de inspiração para estas personagens. Não nasceram em filmes, nasceram da base de dados das nossas vidas não artificiais.
O encontro coeso entre argumento e elenco potencia Mountainhead para uma sátira moderna, que se sente mais confortável quando os seus quatro protagonistas simplesmente manipulam informação e as suas verdadeiras opiniões para garantirem maior percentagem de sucesso nos seus objectivos pessoais, quando apenas conversam entre si, com uma falsa capa de amizade coberta por ataques passivo-agressivos camuflados. Os diálogos e a entrega dos mesmos pelos actores são o ponto forte do filme, caindo, no seu último acto, para a tentação de fazer algo acontecer narrativamente, perdendo a sua natureza mais convincente e credível. Apesar disso, há que dizer que essa opção reforça o género de comédia que também propõe, fazendo valer dos excelentes timings, inclusive a comédia física do seu quarteto principal. Quarteto esse que, diga-se, é homogéneo o suficiente para funcionar melhor em equipa do que individualmente, por mais irónico que isso possa ser, atendendo ao conteúdo da história.
É um risco escrever um argumento sem personagens com quem possamos empatizar. Um risco que porventura impede Mountainhead de atingir outro patamar, ou por outra, não evita que no final sintamos que falta algo. O ser humano no seu melhor cria algo para servir o próximo. O ser humano no seu pior destrói algo para se servir a si próprio. Jesse Armstrong gosta de explorar a segunda versão. Infelizmente fá-lo bem através da escrita, digo infelizmente porque nos relembra do quão imbecis conseguimos ser e das consequências fatais dessa imbecilidade. E felizmente fá-lo bem, porque assim pelo menos podemos ir rindo, até nos ser permitido.