Após descobrir que tem um transtorno dissociativo de identidade e que partilha o corpo com o mercenário Marc Spector, Steven Grant (Oscar Isaac), um mero empregado de uma loja de recordações num museu em Londres, vê-se arrastado para um estranho mistério que envolve o passado de Marc e o seu envolvimento com deuses egípcios. Enquanto procura perceber quem é a sua outra personalidade, Grant ajuda Spector a impedir que o líder de um culto, Harrow (Ethan Hawke), liberte a perigosa deusa Egípcia, Ammit, que tem uma ideia de justiça, no mínimo, extrema.
A série tem um começo bastante forte, revelando imediatamente o antagonista e estabelecendo a sua importância para o confronto com Marc, e também para o confronto interno entre Steven e Marc. Harrow é um vilão sinistro cuja caraterização é elevada pela estupenda atuação de Ethan Hawke. O que realmente atormenta esta personagem é o facto de acreditar que aquilo que faz, independentemente das consequências, é o melhor para a humanidade. Toda a sua maldade e ambição está escondida por detrás de uma serenidade que arrepia, até porque essa ambição não está relacionada com poder, dinheiro ou status… mas apenas fazer, na ótica do antagonista, o bem.
O miolo da série, isto é, o segundo, terceiro e quarto episódios, servem para explorar o conflito entre Marc e Steven, construir espaço para a mulher de Spector, Layla (May Calamawy), crescer e para potenciar os dois últimos episódios, abrindo a possibilidade de futuras temporadas e criando pistas que este mundo possa ser maior do que imaginamos neste momento – visto estar ainda catalogada como minissérie. Estes episódios revelam-se relativamente mais fracos que o primeiro e os dois últimos, mas ainda assim não podem ser considerados fillers que só servem para construir pontes. No fundo, tiveram sempre algo para acrescentar à narrativa. Testam os limites de ambas as personalidades dos protagonistas e apresentam um dos temas principais de Moon Knight, nas intenções de Ammit, acerca do livre-arbítrio e do julgamento sobre o pecado humano. Uma discussão abordada no decorrer da série, mas que poderia ter sido aprofundada de uma forma mais requintada.
Alguns dos episódios sofrem pelas conveniências, exposição narrativa e uma falta de violência que parece injustificada neste ponto da história. Apesar das duas primeiras questões poderem ser perdoadas, por terem demasiadas informações a estabelecer, a terceira é mesmo um ponto dececionante. Os golpes parecem demasiado artificiais e os truques de “apagões” sabem a pouco, ficando a sensação que só foram utilizados para esconder a violência, perdendo essa função narrativa. Nesta fase da série, existe uma aposta numa aventura estilo Indiana Jones, mas a intriga inicial é apagada pela restante narrativa apressada, onde as personagens deduzem soluções, do nada.
Os últimos dois episódios são a razão desta série florescer. Todo o trabalho anterior é compensado nesta conclusão, com revelações que chegam mesmo a apertar um pouco o coração e set pieces de tamanho considerável, elevadas pela interpretação magnífica de Oscar Isaac. A forma como o ator representa as diferentes personagens de uma forma subtil, com a voz, a forma de andar, os maneirismos e até a postura, é uma verdadeira aula de acting.
Ainda assim Moon Knight sofre de um problema recorrente: não sabe controlar o seu ritmo. Em certos momentos apressam alguns arcos, dando soluções rápidas e convenientes, ou usam a exposição para explicar algo que seria necessário no futuro imediato, ou mais longínquo, e noutros momentos, a série arrasta demasiado algumas cenas que não eram assim tão necessárias, prejudicando o impacto emocional de momentos-chave da série e a experiência de visionamento na sua generalidade.
Moon Knight não está perto de ser a melhor produção do universo Marvel, mas conseguiu criar um espaço notável de expansão, construindo uma história que, apesar de tudo, é bastante interessante e tem muito sumo para ser espremido.