Em Monos, Alejandro Landes mergulha num mundo selvagem e isolado da civilização naquele que é um dos melhores exemplos recentes deste tipo de narrativas. Com clara influência de clássicos literários como Lord of the Flies (1954) de William Golding e Heart of Darkness (1899) de Joseph Conrad, o filme colombiano combina uma universalidade vaga com o contexto específico do país e da sua história com grupos de guerrilha como o FARC e o Exército de Libertação Nacional.
A narrativa segue um grupo de adolescentes militantes a serviço de uma entidade simplesmente referida como “Organização”, destacados num primeiro momento na montanha e depois forçados a deslocar-se para o meio da floresta tropical de um país sul-americano que nunca é nomeado. Usando sempre nomes de guerra, Lobo (Julián Giraldo), Pé Grande (Moisés Arias), Lady (Karen Quintero), Sueca (Laura Castrillón), Rambo (Sofía Buenaventura), Perro (Paul Cubides), Estrunfo (Deibi Rueda) e Boom Boom (Sneider Castro), comunicam com os seus superiores através de um soldado a que apenas chamam Mensageiro (interpretado pelo antigo membro da FARC, Wilson Salazar). São encarregues de supervisionar uma prisioneira de guerra com um nome igualmente vago, Doutora, interpretada pela experiente atriz americana Julianne Nicholson. Tirando Nicholson e Arias (famoso por interpretar Rico na série do Disney Channel Hannah Montana), o elenco é composto por estreantes.
A todo o momento é evidente o contraste entre a responsabilidade e perigo da missão daquele grupo, cujos membros andam sempre armados com metralhadoras, e a imaturidade dos mesmos. Várias cenas são dedicadas à juvenilidade das personagens que, mesmo inseridas num contexto extremo e repleto de violência, ocupam o seu tempo, tal como qualquer outra pessoa da sua idade, com jogos, lutas de lama, experiências com drogas e relações românticas e sexuais. Landes pega na militarização de Heart of Darkness e do contexto colombiano e aplica-as à inocência dos jovens protagonistas de Lord of the Flies, não só evidenciando o caráter fútil e ridículo da guerra, especialmente aquela que envolve menores, mas também o clássico conflito entre a civilização e o lado selvagem do ser humano.
Vários desenvolvimentos na história ameaçam progressivamente as estruturas que conferiam ordem àquela equipa. Uma alteração na liderança, que se torna cada vez mais implacável e autoritária, tem consequências catastróficas, provocando reações cada vez mais extremas nos vários membros que vão perdendo o controlo da situação e da sua missão. A mudança para a selva traz também um nível superior de isolamento propício a esta evolução, e os jovens soldados veem-se forçados a escolher entre a sanidade e a loucura.
Landes, ao contrário das suas personagens, nunca se deixa levar, nunca exagera, e nunca perde as rédeas da história, mantendo, mesmo quando a sua narrativa se começa a direcionar para um lugar de caos, um equilíbrio muito consciente no tom e ritmo do filme.
As paisagens colombianas do Parque Nacional Natural Chingaza e do Rio Samaná Norte são fontes naturais de beleza cinemática para Landes e para o seu diretor de fotografia Jasper Wolf, mas o génio dos dois assenta na sua capacidade de as permear com o mesmo sentimento de pavor e ânsia que afeta as personagens a toda a hora. A montanha, apesar de imponente e incrivelmente bonita, é, ao mesmo tempo, desconfortável, exposta, fria e árida. A floresta com as suas praias e vistas paradisíacas, é cheia de sombras, segredos e armadilhas. Monos é um filme visualmente lindíssimo e imersivo, cheio de espaços abertos que parecem, ao mesmo tempo, contrastar e fomentar a crescente claustrofobia e alienação daquelas personagens.
Durante a sua duração, Monos distrai-nos momentaneamente com sequências repletas de ação, adrenalina e algum terror, encenadas, capturados e montadas com perícia por Landes, Wolf e o coeditor Yorgos Mavropsaridis, conhecido por editar todos os filmes de Yorgos Lanthimos. No entanto, as emoções que permanecem dias após ver e experienciar o filme são de estranheza e perturbação perante o cenário de uma infância interrompida e corrompida por uma guerra tornada intencionalmente vaga e abrangente por Landes.