Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One (2023)

de Rúben Faria

Uma Missão é sempre uma Missão

É melhor deixar já claro que sou um ávido fã de toda a saga Missão Impossível – espero eu que de uma forma saudável – e defendo que é uma das melhores franchises de ação existentes. Dito isto, vou tentar agora expressar o pequeno desapontamento com este novo filme, sem dar uma ideia de que é algo mau.

Nesta sétima (!) entrada da saga, Ethan Hunt, personagem já icónica do extravagante Tom Cruise, volta a reunir a sua equipa de excelência para encontrar todas as peças da chave que abre uma arma capaz de controlar o mundo. Enfrentando inimigos do passado e capazes de serem inalcançáveis, Ethan vai ser confrontado com forças que tentam chegar a ele de uma forma mais íntima.

Existem duas comparações que se podem fazer com este filme: o mesmo em relação aos filmes de ação atuais e o mesmo em contraste com o resto da própria franchise. Por isso vamos por partes.

Mission Impossible – Dead Reckoning Part One é, sem sombra de dúvidas, um dos melhores filmes de ação do ano e continua a façanha quase impossível (piscar de olho do autor deste texto) desta saga ir na sétima obra sem sequer conseguir fazer um filme objetivamente mau. Christopher McQuarrie regressa para a sua terceira realização de uma Missão, numa já longa colaboração com Tom Cruise, e juntamente com toda a equipa, bem como o vasto elenco, mantém uma vontade e esforço enormes de filmar tudo o mais prático possível. Dedicam-se a que a ação se torne o mais real e palpável possível, feita para o grande ecrã.

O resto da narrativa sustenta-se ao máximo nas clássicas façanhas de espionagem, onde tudo se concentra nos plot twists, na tensão de não saber quem é quem e onde se confiar, bem como nas peripécias que os heróis vão fazer para escaparem a situações aparentemente inescapáveis. Esta história tenta também tocar nalguns pontos mais pessoais a Ethan, conseguindo navegar um passado surpreendentemente ainda desconhecido, e desafiar o mítico protagonista nos seus ideais de herói que pensa em todas as vidas, desde os milhões, às poucas que lhe são próximas, conseguindo explorar as consequências das escolhas do mesmo, algo previamente pouco analisado.

Aqui entra a comparação com a própria franchise onde este filme se insere. Esta obra assume-se como a primeira parte de um final que demorou uns impressionantes quase 30 anos a chegar. Esta é uma saga que evoluiu, levou o seu tempo e conseguiu adaptar-se e revitalizar-se às épocas onde se foi mostrando, com cada realizador diferente, técnico diferente e elenco diferente. É uma saga que consegue ser bastante variada mas consistente ao mesmo tempo, providenciando uma boa dose de entretenimento que não aborrece a quem quer ver todos os filmes. Conseguiu o feito de continuamente crescer e subir na sua qualidade, criatividade e ambição. E diria mesmo que foi sempre a subir até à aventura anterior. Mission Impossible Fallout (2018) é, indiscutivelmente, o pico da saga. Uma ode ao cinema de ação e um dos melhores de sempre do género. E talvez Fallout seja a própria maldição à saga, tendo já no seu tempo de estreia, suscitado a questão “Como é que eles vão conseguir superar isto?”. A resposta? Não vão.

Dead Reckoning Part One, apesar de eu não ter certezas sobre isso, pode sofrer da velha mordida de querer separar uma história em duas partes. Entende-se que Tom Cruise queira fazer muitas acrobacias malucas e que talvez já estejam a ficar sem histórias novas para contar e conseguir com que estes feitos quase suicidas caibam todos, mas a verdade é que tudo isto torna este filme um pouco mais oco que os últimos da saga. Nos anteriores, havia um sentimento intrínseco de que as setpieces de ação estavam dinamicamente integradas e serviam a história, fazendo sentido no momento em que apareciam e conseguindo satisfazer ao ponto certo. Desta vez, a sensação que paira no ar é a de que a narrativa está a tentar acompanhar todas as loucuras que esta equipa tenta alcançar, falhando em se tornar algo coeso e consistente.

A história que tenta ir a sítios mais íntimos do protagonista (e apesar de conseguir mostrar esse lado das consequências), falha em atingir esse objetivo emocional, precisamente porque tenta seguir demasiada coisa ao mesmo tempo. Por exemplo, Fallout funcionou precisamente porque acompanhava apenas dois vilões, que trabalhavam juntos, enquanto todos os heróis apontavam ao mesmo, conseguindo explorar um lado emocional de uma pessoa do passado de Ethan, de uma forma dinâmica e sem exagerar na sua presença. Dead Reckoning Part One, perde-se nas inúmeras linhas narrativas que apresenta e não consegue trazer coesão a um argumento demasiado confuso e que decide introduzir ideias que até são interessantes, mas que abandona em prol de talvez as explorar na segunda parte. Há demasiadas personagens, demasiados enredos desnecessários para acompanhar num filme cheio de plot twists e que de vez em quando se lembra de que Ethan é o protagonista e precisa de lhe dar profundidade emocional.

Dito isto, a parte que mais desaponta é que numa saga de excelência técnica, este filme fica um pouco aquém. O ponto mais gritante é a montagem que não consegue trabalhar um argumento tão perdido e, por consequência, não consegue ser suave, principalmente na sua estrutura e dinâmica entre cenas. Não é capaz de complementar o que a narrativa pede, falhando na criação de verdadeira tensão num filme de espionagem e tornando-se apenas uma típica aventura onde vemos os heróis saltar de local para local. A fotografia – apesar de ter ideias interessantes, como o uso de muitos dutch angles e closeups – também deixa a desejar, por ter uma imagem mais banal e comercial, igual à maioria dos blockbusters atuais: luz e textura de imagem muito plásticos, e um inacreditável uso de CGI que entristece qualquer fã da saga. Sim, as cenas podem ter sido gravadas praticamente, mas tiveram o fundo pintado a CGI ou algum tipo de “melhoramento” feito com esse método digital. Deram-se ao trabalho de atirar um comboio de uma ponte abaixo, mas a verdade é que o que aparece no filme é uma cena cheia de efeitos visuais, quase indistinguível do resto de Hollywood. Num outro ponto técnico, a banda sonora, apesar de interessante, é algo que ficou muito mal utilizado. O filme quase não tem silêncios, e mesmo sabendo que se trata de um blockbuster de ação, o facto de estar constantemente bombardeado por música intensa e em êxtase, mesmo quando as personagens não estão à pancada, torna-se exaustivo e quase incómodo, já para não falar que trai a premissa de um filme de espionagem.

Após esta quase dissertação de um fã sentimental, há que apontar que este não é um mau filme e está a léguas de o ser. O seu elenco é vivo e exímio, desde os residentes habituais até às caras novas como a incrível e enigmática Hayley Atwell e a implacável energia de insanidade de Pom Klementieff. Este é dos melhores blockbusters do ano e merece ser visto numa sala de cinema, em todo o esplendor das suas falhas e da sua grandeza. Não é tão plástico como a maioria dos comerciais que Hollywood dispara, mas trai a sua própria identidade de nascença ao tornar-se mais vazio do que os seus parentes. A Missão ainda não fez um passo factualmente mau, mas este com certeza foi um pouco em falso, levando a questionar se a última Missão que se avizinha conseguirá aterrar quase 30 anos de trabalho em segurança.

3.5/5
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