Minari (2020)

de João Iria
minari

Minari. Uma planta comum na Coreia com um aspeto semelhante a salsa, derivada da erva perene, Oenanthe Javanica, originada na Ásia Oriental. Este vegetal é utilizado com propósito culinário nutritivo, famoso pelo seu odor intenso, peculiar e sabor distinto que se destaca nos pratos tradicionais do país. A sua particularidade está na forma como cresce abundantemente com maior vigor após a sua morte, na segunda época de colheita. Lamento iniciar a crítica como uma entrada de wikipedia; prometo que surge com um propósito neste texto, pois esta imagem descrita de renascimento está presente na quarta longa-metragem de Lee Isaac Chung, cujo título provém dessa mesma planta que funciona como a metáfora principal desta narrativa pessoal.

Uma história semi-autobiográfica, situada nos anos 80, sobre o combate interno de tradição com assimilação de uma família Sul-Coreana que imigra para os Estados Unidos rurais, com a intenção de semear uma nova vida. Jacob Yi (Steven Yeun) encara a terra que rodeia a caravana como um espaço para desenvolver raízes pósteras e formar independência financeira, enquanto a sua mulher, Monica (Yeri Han), receia as possíveis adversidades desta decisão para o futuro dos seus filhos. 

O casal viaja para Arkansas com Monica a seguir Jacob, num carro separado, acompanhada por Anne (Noel Cho), uma rapariga pré-adolescente autónoma, natural da Coreia do Sul e David (Alan S. Kim), um rapaz precoce, que nasceu na Califórnia, emocionalmente distante da região dos seus progenitores. Esta abertura quieta e contida, determina simbolicamente o estado destas personagens fisicamente e psicologicamente, apartados no seu casamento e nas suas prioridades, onde Monica limita-se a encalçar Jacob na sua demanda do sonho americano, consciente da sua fragilidade. 

Durante esta introdução, sentimos o toque ligeiro e gentil de Lee Isaac Chung que acompanha esta família com uma sensibilidade introspetiva e uma linguagem visual esbelta e empática no seu percurso narrativo. A melancolia das notas de piano na banda sonora e a direção de fotografia primaveral, que opta por registar os eventos maioritariamente em câmara handheld, adicionam uma proximidade encantadora e contemplativa ao ambiente, expressado nas observações curiosas de David perante o mundo adulto. 

Seguindo o esforço de Jacob para transformar uma rulote numa habitação, o design de produção subtil detalha o espaço com um clima doméstico vívido fundado numa segurança incerta. Chung reproduz o conforto familiar do seu argumento perspicaz através de uma realização paciente que transmite uma sensação caseira acolhedora e uma direção de atores natural e realista. Todo o filme é construído para representar cinematicamente um álbum de fotografias que guardamos nas memórias. Os Yi’s crescem connosco no decorrer de duas horas, compartilhando fracassos, sucessos e compondo um laço orgânico enternecedor com a audiência da qual surge uma impressão de pertencermos a esta família. Não consegui evitar imaginar um photoshop péssimo da minha pesssoa, um homem caucasiano, alto, obeso e com o vestuário de um gangster reformado, entre as fotos desta família Sul-Coreana. 

Minari é um slice of life absolutamente inspirador e comovente no seu retrato de resiliência humana na batalha por prosperidade e futura felicidade, questionando a validade fantasiosa do sonho americano na vida de um imigrante, personificado em Steven Yeun, que redefine a figura clássica estadunidense (chapéu vermelho incluído) e interpreta Jacob com tamanha espontaneidade que desaparece na personagem, adicionando o charme necessário para impedir esta de rebentar numa bolha de orgulho presunçoso. Yeun insere carisma suficiente para acreditarmos nas suas capacidades e nas suas promessas, mesmo quando persiste a dúvida se esta dedicação é em serviço dos seus filhos ou da sua arrogância.

Desde a inquietação compreensível de Yeri Han ao comportamento excêntrico e benigno de Will Patton, a naturalidade do elenco favorece a nossa entrada para este mundo, com cada membro a contribuir para uma atmosfera que não queremos abandonar. Para além de Yeun, destaco o impressionante Alan S. Kim que interpreta David com a intuição de um ator profissional, mantendo um caráter adorável, sem encaminhar para o estilo sitcom, típico da maioria desta idade e destaco Yuh-Jung Youn, que interpreta Soonja como uma avó rude e divertida, adepta de Wrestling e armada com insultos (“Broken Ding Dong” é digno de Shakespeare), numa das minhas performances favoritas de 2020. Ambos partilham uma química harmoniosa repleta de humor e sabedoria, numa simbiose de gargalhadas com lágrimas, produzindo os momentos mais emocionais deste filme. 

Minari exibe um espectro de espiritualismo temático no seu enredo, exemplificado nas relações de cada membro da família com o Catolicismo. Num estado dominado por influência religiosa e crenças divinas, Chung usufrui desta inevitável camada local para desenvolver uma alegoria de assimilação e renascimento mental, colocando as suas personagens desesperadamente à procura de fé nelas próprias e nos seus entes próximos. O realizador evita cuidadosamente atrair uma atenção excessiva e distrativa a estes pontos, de modo a orquestrar as suas metáforas em conjunto, sem se rejeitarem. Cultivando ternura e resistência com angústia realista, Minari purifica a alma e expande uma experiência cultural num sentimento universal. É uma planta com diversas finalidades, entre receitas culinárias e ingredientes medicinais, e esta obra encaixa nesse modelo, proporcionando entretenimento de conforto com comentário social. De acordo com Soonja, apesar de ser especificamente um vegetal Coreano, Minari pode ser plantado em qualquer lugar com raízes fortes. Uma mensagem de esperança para os prélios de imigrantes que lutam pelo sucesso das suas famílias, privados de respostas concretas acerca do futuro, motivando a sua persistência com confiança na segunda colheita.

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