Menina (2016)

de Pedro Ginja

Anos 70, Lisboa. Rita (Joana Santos) está a passar uma camisa branca a ferro. Uma rotina habitual para esta dona de casa. Neste primeiro minuto parece viver num loop que já viveu muitas vezes até ser interrompida por um choro de um bebé. Pouco tempo depois chega Francisco (Pedro Carmo), o seu marido, e perdura a sensação de repetição. Uma interrupção inesperada na rotina despoleta uma descoberta indesejada que aumenta as incertezas de Rita face ao seu marido. A dúvida está instalada e não ficará saciada até descobrir a verdade. É este o ponto de partida desta curta realizada por Simão Cayatte, em 2016, premiada com inúmeros prémios.

Desde esses primeiros minutos vemos em Joana Santos, e na sua Rita, uma mulher sem rumo. Até aquele primeiro choro, da sua bebé, temos uma mulher perdida e sem escapatória de uma vida de rotinas. Mas parece haver um contentamento na maternidade, com um sorriso a rasgar o rosto quando o marido chega a casa. Sem falar, Joana Santos consegue transmitir isto tudo e as imagens de rotina ecoam Chantal Akerman mesmo apenas nestes breves minutos iniciais. A ordem, a rotina e a familiaridade estão prestes a ser viradas do avesso e a vida não mais será a mesma para Rita. Há muitas certezas do que se quer mostrar aqui e, sem entrar em pormenores para não estragar a surpresa, demonstra uma realização segura de Simão Cayatte. O twist, apesar de previsível, considerando a realidade portuguesa antes do 25 de Abril, chega como uma bomba e dá a Joana Santos a possibilidade de expandir a sua Rita para territórios de terror e medo ecoando o que muitas mulheres viveram, em silêncio, nestes tempos conturbados. Pedro Carmo, e o seu Francisco, transpira uma ambiguidade ameaçadora deixando, sempre, o espectador a perguntar-se do que este homem será capaz, mesmo quando pergunta a Rita porque não lhe trouxe os chinelos de um modo casual, monocórdico.

A recriação e atenção ao detalhe na cenografia, guarda-roupa e adereços tão característicos aos anos 70 ajudam, também, a estarmos com os protagonistas num passado volátil e em que as escolhas disponíveis eram poucas e difíceis, principalmente para as mulheres.

O olhar para o infinito de Joana Santos aponta um futuro incerto para a sua Rita mas revela Simão Cayatte como um exímio mestre na arte de mostrar o essencial nas suas histórias mas sem nunca descurar a importância de ser subtil no que deixa nas entrelinhas para o espectador decifrar.

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