Men (2022)

de Pedro Ginja

O sentimento de culpa é algo muito pessoal, intransmissível e algo com que todos temos de viver. Por sermos humanos, logo com as nossas limitações pessoais, os erros acontecem e cabe-nos a nós fazer a paz com aqueles que nos afectam. Muitas vezes ninguém nos culpa a não ser nós próprios, e é necessário fazer essa “viagem na nossa mente” e encontrar o perdão que precisamos. É essa “viagem na mente” que este filme nos mostra.

Após um interregno de 4 anos na realização de filmes, Alex Garland regressa com Men, a história de Harper (Jessie Buckley) que se retira para o campo sozinha, depois de uma grande tragédia, para um período de reflexão e cura. Acaba, no entanto, por ser perseguida por alguém, e o que começa como um receio termina num verdadeiro pesadelo para os sentidos.

Antes de mais, é bom voltar a ver Garland de regresso ao cinema após a sua passagem pela TV com a minissérie Devs (2020), que escreveu e realizou. E desta vez longe do universo sci-fi e com o pé no terror em grande escala. A primeira ideia tirada do filme é a de ser um pesadelo desenrolado em tempo real, e logo notamos uma aura de desconforto neste suposto paraíso idílico no campo, usado pela personagem principal para “cura pessoal”. Um homem surge nu no jardim da sua casa e é este o ponto de partida da narrativa e o despoletar do pesadelo de Harper. 

Jessie Buckley carrega Harper consigo, e também o espectador, nesta louca viagem com uma interpretação carregada de tensão, raiva mas também resoluta e focada no processo de cura e sempre com o ponto de rotura emocional ali tão perto, deixando-nos ansiosos de qual será o seu destino. Será que vai quebrar? Mas o filme não está apenas às suas costas, está também em Rory Kinnear, camaleónico no seu papel multifacetado, onde é cómico, anjo, protector, perseguidor e a personificação do terror de Harper sempre tão perto, que a respiração se ouve quando não está presente.

Men é um filme que se ama ou odeia, não há meio-termo ou razoável, começando como um thriller competente com um crescendo de tensão muito bem elaborado, intercalando as metáforas visuais ou pequenos momentos de uma beleza etérea (crédito também para a fotografia de Rob Hardy) e passa, na última metade, a terror puro e duro – e polarizador, acrescento. Os efeitos práticos de terror são muito bem executados e com um look old school, reminescente a um Cronenberg vintage. No entanto, nem sempre acerta quando usa CGI para reduzir idade de um dos personagens tornando-o um robot sem vida, com olhos inexpressivos. Nem tudo é perfeito mas é feito com a convicção total de alguém que sabe o que quer mostrar, e Alex Garland sabe-o.

De desvios de cabeça por desconforto, a suspiros de desilusão ou a risadas de incredulidade com o que se está a passar, tudo é sentido na visualização deste filme. Os limites são testados continuamente e, por isso mesmo, há a possibilidade de criação de “anticorpos” ao que Garland faz aqui: a concepção de um pesadelo tão intenso e bizarro do qual queremos acordar e sair a correr. Ver Men é um risco que pode correr mal mas, como diz o ditado popular, “quem não arrisca não petisca”.

P.s.: O estúdio A24 é cada vez mais uma excelente referência de filmes alternativos e fora do sistema de Hollywood.

4/5
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