Uma mediana interessante
Conhecer novo cinema deve estar no horizonte de todo o bom cinéfilo (mesmo do autoproclamado). Os trabalhos oriundos do médio-oriente são dos mais intrigantes e esta curiosidade levou-me a orientar a minha atenção para este filme, algo que se provou pouco enriquecedor, mas manteve a mesma vontade de conhecer.
Memory Box é um filme libanês/canadiense, realizado por Joana Hadjithomas e Khalil Joreige, nomes que estou grato por escrever pois não me atreveria a pronunciá-los em voz alta. É uma obra que tem como base a relação entre Alex (Paloma Vauthier), a sua mãe Maia (Rim Turki) e a sua avó Téta (Clémence Sabbagh), relação essa que é posta à prova por uma caixa com cadernos, fotografias e cassetes de áudio contendo relatos e memórias de Maia nos seus tempos de juventude no Líbano.
Tematicamente está tudo no sítio para ser uma história cativante, emocional e socialmente importante. Compromete-se a falar sobre confiança, verdade, perseverança, e sobre os resultados da guerra nas famílias e o efeito dominó que colmata em refugiados. Tudo isto tendo como alicerce principal o impacto da memória na vida e a escolha de a abraçar ou de a deixar para trás. Sem sombra de dúvidas que são abordagens que aparentam ser extremamente interessantes – e são -, mas ao incorporar tudo isto e ainda querer aconchegar a narrativa emocional num cobertor de juventude esperançosa, faz com que o filme não se consiga debruçar realmente sobre nenhum destes temas de forma a manter o espectador agarrado ao ecrã.
Toda a dinâmica de Alex desvendar o que realmente aconteceu na vida passada da sua família acaba por ser inconsequente, no que toca ao campo emocional. Não existe uma razão sentimental palpável para a jovem de repente ficar tão afetada e movida por todas estas descobertas, algo que acaba por atenuar a ligação humana mais importante do filme: mãe e filha. Uma das partes mais prejudicadas por esta falta de foco foi o drama da guerra: contém alguma tensão e alguma tentativa de dar peso real ao enredo, mas nunca se torna num veículo emocional forte o suficiente para tornar esta história memorável. Há sempre uma sensação de que está tudo bem e que nada do que é explorado teve as suas devidas consequências.
Na sua primeira metade Memory Box não consegue segurar o espectador como gostaria, mas apesar dos seus erros capitais, a sua energia e boas intenções emocionais acabam por nos deixar ligeiramente nostálgicos, ainda que apenas de uma forma superficial. Era bom ter visto os realizadores conseguirem fazer valer o seu ponto de vista mais esperançoso e colorido para com um tema tão negro. É uma abordagem muito cativante, mas que se mostra fútil e sem razão para a sua existência, ao contrário de exemplos de obras de Taika Waititi como Boy (2010) ou Jojo Rabbit (2019) que, apesar de serem trabalhos completamente diferentes, conseguem invocar um ar de inocência e confiança ingénua em drama real e palpável.
Apesar de toda esta insegurança narrativa, há que reconhecer valor em algumas ideias cinematográficas interessantes que a realização procura impor ao longo do filme, mesmo sem ter o melhor dos resultados. Sou apologista do arriscar e tentar algo minimamente criativo, mesmo que falhe, e este filme acabou por não falhar redondamente, mas apenas ter demasiado medo em ir até ao fim com as suas ideias, acabando numa quase redundância. Investe em algumas técnicas de fotografia e montagem que invocam uma forma de contar histórias ao encontro da perspetiva juvenil e da própria caixa de memórias físicas do filme, com referências visuais à fotografia analógica, à escrita de cartas, à filmagem dos anos 80, mergulhados na música pop e ambiente radiofónico da altura. No entanto, é frustrante o quão rápido estas ideias são abandonadas e aparecem apenas num momento aleatório, ou o quão inconsequente é todo o uso do visual da tecnologia dos dias de hoje (telemóveis, redes sociais, etc.) na respetiva linha temporal. O filme nunca se deixa levar por estes rasgos de potencialidade criativa e acaba por se refugiar numa fotografia segura, convencional e até por vezes americanizada. Tirando um punhado de planos interessantes, o filme remete-se à mais mediana das fotografias, e à mais invisível e inofensiva das montagens na sua generalidade.
As performances dos atores são muito interessantes, com algumas falhas e alguns sucessos, tentando equilibrar todo este jogo de tom inconsistente que o filme tem entre o dramático e o sonhador. Há momentos em que os atores conseguem mostrar fibra para com a cena, mas existe uma mão cheia de dinâmicas que ficam aquém do que é necessário para a ligação emocional das personagens. Em geral os atores mais velhos provam ser os mais consistentes, ainda que os mais jovens não fiquem muito atrás no grande esquema das coisas.
Para concluir esta crítica que por si só já é demasiado divisiva, há que dizer que este filme não afugenta as recomendações para o ver, mas também não faz muito para conseguir ser uma obrigação cinematográfica, daquelas que impomos uns aos outros em conversas pretensiosas. Para quem quiser explorar algumas temáticas socialmente interessantes e tiver algum tempo em mãos, não é um desperdício de tempo.