Megalomania é um transtorno de personalidade em que o indivíduo sofre com delírios de grandeza e omnipotência, mas esse comportamento pode também ser sintoma de outros problemas mais graves, como a esquizofrenia e a bipolaridade. A contextualização dessa palavra ajuda levemente na compreensão da história de Megalomaniac, uma produção belga realizada por Karim Ouelhaj, porém, o objetivo aqui não é entregar respostas. Com um ritmo lento e uma narrativa crua, a longa-metragem oferece uma observação complexa e despida de julgamentos sobre personagens que não conhecem uma outra realidade que não fosse construída ao redor da apatia e da violência. A premissa, interessante por si só, ganha uma nova camada de singularidade por ter um trabalho de fotografia e de atuação excelentes, a elevar a imersão do espectador e proporcionar momentos realmente perturbadores.
A história central é fictícia mas o filme usa um crime real como alicerce. Entre 1996 e 1997, a cidade de Mons, na Bélgica, foi assombrada por um serial killer que assassinou e desmembrou cinco mulheres, descartando os seus restos mortais em sacos de lixo pelas estradas ou rodovias. As autoridades locais investigaram o caso, porém, sem sucesso e a identidade do culpado é desconhecida até hoje. O filme parte da premissa que esse psicopata teve dois filhos durante a época das mortes e o espectador acompanha a vida deles no presente, anos após o seu falecimento. O filho mais velho, Felix (Benjamin Ramon), seguiu os passos da figura paterna, quase como uma herança hereditária; e a filha mais nova, Martha (Eline Schumacher), tem alucinações visuais recorrentes e diversos problemas de saúde e sociabilidade.
Martha é a personagem principal da história e somos convidados a viajar pelos lugares mais sombrios de sua vida e da sua mente. A rapariga trabalha como empregada de limpeza numa fábrica, sofrendo em silêncio as violências físicas, verbais e sexuais que os seus colegas infligem na sua pessoa. Dentro de casa, é tratada com uma apatia estranha pelo irmão, quase como se ele quisesse demonstrar preocupação e cuidado para com a irmã, mas sem possuir qualquer inteligência emocional ou sentimental para se expressar corretamente. Conforme os dias passam, acompanhamos a deterioração de sua sanidade mental bem como a necessidade de externar todo o sofrimento que ela sofre, resultando numa busca por vingança e um descontrolo emocional completo.
O filme aborda questões sociais interessantes, como a influência do meio familiar e social para a formação de caráter de um indivíduo. Ora, se uma pessoa só conhece a violência e a indiferença pela vida humana durante sua formação como cidadão, é difícil esperar que ela não reproduza esses desvalores. São comportamentos condenáveis por ferirem o bem estar dos outros, ao mesmo tempo que mostram um problema estrutural ainda mais profundo e complicado. A narrativa é desenvolvida com um equilíbrio entre o cuidado e o distanciamento sobre o assunto, resultando numa observação sobre o comportamento humano na sua forma mais colérica invés de uma represália moralista.
Os quesitos técnicos também são um trunfo de Megalomaniac. Além de uma mão firme e paciente da realização, a fotografia do filme é de tamanha competência que se torna uma peça fundamental da narrativa. Martha está quase sempre posicionada no canto inferior dos enquadramentos, ilustrando o seu sentimento de abandono e solidão alucinógena. Numa cena de jantar entre os dois irmãos, em que um está com o prato vazio e o outro com o prato cheio de comida, a excelente composição ilustra com precisão a diferença de personalidade dos dois. As atuações de Eline Schumacher e Benjamin Ramon são minimalistas, porém, cheias de nuances delicadas mesmo nos momentos de maior descontrole emocional das personagens.
Megalomaniac é um banquete para os espectadores cansados de repetições aborrecidas de clichês nos filmes de terror. É uma obra que se diferencia pelo seu ritmo diferente e recompensador, além de um crescente desconforto que culmina em diversos momentos realmente assustadores. Não existe nada mais apavorante do que não saber os próximos passos de alguém e, nesta obra, o que não falta é a imprevisibilidade.