MaXXXine (2024)

de Pedro Ginja

“Y’all might as well go home, ‘cuz I just fuckin’ nailed that!”

Num espaço de dois anos Ti West completou a sua trilogia X, composta por X (2022), Pearl (2022) e MaXXXine. Mais impressionante que o facto de ter realizado, produzido, escrito e editado 3 filmes em 2 anos, ou do excelente casting de grandes estrelas actuais de Hollywood como Jenna Ortega e David Corenswet antes de explodirem ou ainda de fazer filmes por uma fracção do dinheiro do que Hollywood consegue fazer, há outro factor que reina supremo para a criação do fenómeno de culto e a legião de fãs que a idolatra. E o seu nome é Mia Goth.

Enquanto em X (2022) as suas duas personas, Maxine Minx e Pearl, se interligavam na história, a sua sequela Pearl (2022) era uma prequela centrada apenas na origem da personagem com o mesmo nome. Em MaXXXine o caminho é o inverso e seguimos para os anos 80, em pleno auge dos video nasties e do boom da pornografia, que a ala conservadora americana repudiava e associava a cultos satânicos e à influência negativa que a comunidade artística tinha sobre as mentes das “nossas crianças”. Uma autêntica revolução a servir de background na procura incessante de Maxine Minx em ser uma estrela, a todo o custo como ela sempre gosta de repetir.

A frase de Bette Davis, revelada no início, parece ser o encapsular do que significa ser uma estrela e não é inocente o seu uso. Podemos recuar a Aristóteles, que considerava o universo composto por quatro elementos principais (Terra, Ar, Água, Fogo) e ao seu significado de quintessência como o quinto elemento, uma substância etérea que permeava tudo e impedia os corpos celestes de cair sobre a terra. Aqui a quintessência, no mais elevado grau de perfeição, ganha o nome de Maxine Minx. Infelizmente com a benção de tão impressionante corpo celestial vem também a sua maior maldição, que não a impede de brilhar intensamente mas que arrasta todos os restantes para a obscuridade do anonimato. Poderá ser um sentimento demasiado pesado para o resto do elenco mas é claro, desde logo, estarmos no mundo de Mia Goth. Essa sinergia entre Ti West e Mia Goth é por mais evidente no monólogo, durante o casting de um filme de terror, (uma sequela curiosamente) em que o seu estatuto de estrela é logo assegurado. Não atinge os níveis estratosféricos de Pearl (2022) mas tem diversas cenas em que mostra o seu range diverso na pletora de emoções e a variabilidade na intensidade com que pontua as suas cenas. Apenas John Labat, o asqueroso detective privado interpretado por Kevin Bacon, tem o tempo, a intensidade e as linhas de texto suficientes para ser mais do que um apêndice, e Teddy Night, o engenhoso agente de Maxine interpretado por Giancarlo Esposito, que precisa apenas de breves segundos e uma peruca gloriosa para deixar a sua marca.

O argumento, neste final da trilogia, pretende ser uma homenagem aos anos 80 e consegue-o, em parte, com o intercalar de histórias célebres paralelas da era já referida como o “Night Stalker”, um serial killer que semeou o terror em Los Angeles, e vignettes de noticiários onde se revela os medos de uma sociedade conservadora perante a arte que pretendia atingir a liberdade criativa mas cuja moralidade era constantemente desafiada. A isto junta-se as filmagens de um filme de terror, uma investigação policial, um culto satânico, um video-clube onde se vislumbram clássicos do terror, visitas aos estúdios de Hollywood, o dia-a-dia da carreira porno de Maxine e a lista poderia continuar por outros lados. São demasiados novelos para desenrolar e é impossível deixar de sentir a própria estrutura da história a implodir lentamente, incapaz de se decidir que caminho priorizar.

Do lado visual é um portento de influências, com uma variação no aspect-ratio constante, perante cada um destes elementos da história, lembrando vídeos caseiros, homenagens sentidas a clássicos de terror dos anos 80, imagens de arquivo de eventos e notícias, todos com o característico grão das cassetes VHS da era. Apesar de se aproximar mais da classificação de slasher, em termos de terror, as cenas de género não são tantas como seria desejável. A promessa de sangue literal acaba reduzida a meros resquícios do que a uma homenagem aos video-nasties da década que realmente precisava. A direcção de fotografia continua de qualidade neste terceiro capítulo com inúmeros planos inesquecíveis, como já é apanágio da saga, o uso de um jogo de sombras e luz perfeita onde se nota um pé claramente no passado assim como diversas ocasiões onde se procura manter actual e arrisca ideias diferentes. Fica, no entanto, a sensação que tudo é demasiado simétrico e limpo quando se impunha um ambiente mais sujo e desconfortável.

Em termos de design de som as influências e inspiração estão assentes no passado mas faz sentido essa opção, assim como nas músicas escolhidas da década, familiares para poucos, mas escolhidas a dedo para este projecto. Aquele início de Obssession dos Animotion teima em ficar nos meandros da minha mente e Bette Davis Eyes cuja letra parece decalcar a persona de Maxine Minx, e a voz rouca de Kim Carnes a sua implacável resiliência perante a adversidade.

MaXXXine concluí (será?) a trilogia X e cimenta o legado do género de terror de Ti West e da sua parceria com Mia Goth, a estrela mais brilhante desta constelação. Tal é o seu brilho que ofusca todos à sua volta mas permite revelar os anos 80 em todo o seu esplendor visual e sonoro. Quando não se leva demasiado a sério e deixa o grotesco em primeiro plano consegue ser memorável e bastante engraçado mas são mais as vezes, principalmente no confronto final, em que é previsível, pouco assustador e sem fazer justiça ao que esta odisseia de terror realmente merecia.

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