A força da perspetiva
Um filme que marca a estreia de um cineasta – e logo de rajada, nas cadeiras de argumento e realização – é sempre uma ocasião interessante. Temos a oportunidade de ver uma visão nova, sem qualquer tipo de pré conceito onde não sabemos o que esperar nem podemos comparar a trabalhos anteriores. Fran Kranz aproveita isso para criar algo próprio e conseguir ser um caso de atenção para o futuro.
Mass é um drama com uma premissa simples: dois casais juntam-se para conversar após uma tragédia que tirou a vida aos respetivos filhos. Conta com Jason Isaacs, Martha Plimpton, Ann Dowd e Reed Birney nos papéis centrais, todos guiados pela já referida realização e argumento de Fran Kranz.
Filmes deste género – com apenas um local e poucas personagens – tendem a ser uma ótima oportunidade para extrair o máximo possível do sumo artístico que provém dos vários campos do cinema como câmara, som, guarda-roupa, cenários, marcações ou argumento, e todos são possíveis veículos na transmissão das emoções e ideias que a história pede, principalmente num filme tão simples na sua base. Neste caso em específico, falham umas, mas vale por outras.
A maior força deste filme está na perspetiva que assume para com os temas que aborda. Violência entre jovens não é propriamente território desconhecido no cinema, mas neste caso é bom ver o apenas o resultado e as consequências de tais atos, especificamente nas famílias. Não é um argumento que assume um lado do conflito, mas sim que tenta dar atenção a todos os intervenientes e pontos de vista, fugindo à sensação de haver um lado bom e um lado mau, e assumindo a realidade que procura, onde todos somos humanos e erros são o único traço verdadeiro.
O outro ponto a destacar são os atores e a direção dos mesmos. Não existe neste filme uma única performance má, fraca, ou até mediana. Todos trazem o seu melhor e definem muito bem as características das suas personagens. Se existe algum personagem que parece mais “estereotipado”, sente-se maior culpa do guião do que propriamente do ator. Um filme destes realmente pede atores com calibre e é uma boa oportunidade para que estes mostrem o que valem, trabalhando com várias emoções, entrega de falas e silêncios. Apesar de todos estarem no seu melhor, o maior destaque vai para Jason Isaacs (aqui talvez por boa culpa do guião) ao conseguir ser o que mais foge de um personagem unidimensional e ao conseguir trabalhar variações emocionais e conflitos interiores, como a luta do racional e irracional numa situação de luto. Existe, no entanto, uma sensação de que todos os atores estão a tentar ir mais longe com os personagens do que lhes é oferecido pelo arco original do argumento, e aqui aparecem alguns problemas.
As falhas de argumento são as mais cruciais e evidentes. O guião perde muito nos arcos das personagens, seja em torná-los consistentes ou em justificar alguma inexistência dos mesmos. Existem momentos onde pensamos que uma personagem vai por um caminho diferente em reação a alguma situação, mas acaba por não se materializar e o filme nunca se compromete em levar isso até ao fim; ou então quando uma personagem parece ficar vinculada em alguma ideologia que defende, mas o filme nunca nos deixa ter peças suficientes para percebermos o porquê.
As já referidas vertentes cinematográficas que podem servir de veículo para transmitir ideias ou emoções, tendo um peso acrescido aquando de ajudar o argumento no desenvolver da história para o espectador, ficam também aquém. Sente-se a falta da câmara ter uma voz própria e ser o primeiro elemento técnico que nos podia ajudar a perceber pontos do enredo através da interpretação. Tudo é filmado de uma forma simples e até básica, acusando a falta de experiência do realizador ao não guiar a fotografia para um lugar mais útil para a narrativa. Com isto, essa brecha na realização é também vista no blocking ou marcações dos atores, que é crucial num filme passado num só local. Quase não existe uma linguagem no posicionamento e movimento das personagens, e a que existe é tão impercetível que resulta numa confusão na direção da história. Simbolismos possíveis, no cenário, no guarda-roupa e afins, são muito pouco, usados e a montagem também se mostra passiva quase a um nível consequente. As poucas instâncias de linguagem que existem por parte de todos este elementos técnicos parecem ser tão diretas e quase cliché, que quero acreditar que não é o caso, num filme com um guião tão preparado a fugir a esses mesmos clichés.
Apesar deste tom final da crítica parecer mais negativo – Mass é um filme altamente recomendável, e consegue essa mesma recomendação pela força do seu ponto de vista em relação às suas temáticas e pela entrega total do seu elenco. É uma obra interessante, importante, surpreendentemente emocional e que não cansa o espectador, seja na duração do filme ou na execução do mesmo. Tem os seus problemas, inseguranças e falta de experiência na direção, mas é uma boa estreia que vale a pena ver e esperar por mais.