Mandy retrata a vingança de Red Miller (Nicolas Cage) pela morte da sua namorada Mandy (Andrea Riseborough) às mãos de um culto sádico encabeçado por Jeremiah Sand (Linus Roache). O casal levava uma vida pacata, calma até que este grupo, de forma cruelmente aleatória, lhes rouba essa paz da pior forma possível.
A catarse que é vivenciada por Nicolas Cage neste filme é absolutamente brutal quer no sentido que a palavra tem de impressionante, como no seu sentido de incivil. A cólera que sente após assistir à morte de Mandy toma conta dele de uma forma irrecuperável: o seu processo de desumanização começou tornando-o mais similar com o grupo satânico do que ele talvez pudesse desejar.
Esta sua némesis relembra-me outra igualmente agressiva: a de Marcus (Vincent Cassel) em Irréversible (2002) de Gaspar Noé. É o primeiro filme que vejo de Panos Cosmatos, mas considero que já é possível registar um aspeto em comum entre o realizador italiano e o realizador franco-argentino: o espaço de concretização cinemática acontece no disfemismo, não porque exageram a realidade, mas sim porque a representam exemplarmente… A dor profunda do Homem é animalesca e eles sabem-no.
A estética brilhante do filme acompanha de forma exímia o caráter das emoções (quase sempre violento): o vermelho e o laranja ocupam grande parte da narrativa. O enquadramento paisagístico também é estonteante. Em suma, a fotografia de Mandy é verdadeiramente digna de galardão. A saturação da cor envolve-nos naquele que é um ambiente altamente maquiavélico.
O pacing do filme é adequado: reconheço que é lento, mas acho que é necessário que assim o seja para a exposição da história que Cosmatos nos apresenta. Penso que acelerar este filme estragava a sua dinâmica: a lentidão que densifica a perturbação do espectador.
Além da performance espetacular de Nicolas Cage (Andrea Riseborough também surpreende, mas Cage supera-a) destaco o papel de Linus Roache em Jeremiah Sand: o seu sadismo é verdadeiramente inebriante.
Os risos do grupo, nomeadamente de Hanker (Alexis Julemont), Marlene (Olwen Fouéré) e Klopek (Clément Baronnet) em situações macabras aproxima Mandy até de um certo non-sense, cujas personagens, como em Twin Peaks (1990) de David Lynch, agudizam pelos seus risos (lá está), mas, mais do que isso, pela sua própria expressão (per si) medonha. Em Mandy, há também uma combinação do psicadélico com o terror que é notável: a presença de animações, ainda que poucas, denota isso. As cenas de sexo, diretas ou indiretas, referentes ao grupo de assassinos tornam-no ainda mais macabro: a carnalidade e a apetência para o sangue são a única coisa que os move.
No fundo, a narrativa – a ‘’vingança sem olhar a meios’’ de um homem pela morte da namorada – não é nova (tal como é possível observar na trama de Irréversible, que mencionei). Não obstante, a forma como esta vingança é desenvolvida prende a atenção do espectador: a brutalidade deste trauma não é algo desnecessário, abusado… É simplesmente e somente real, efetivo: a retaliação saturniana não poupa ninguém. Mandy é catártico, intenso e íntimo: o sofrimento será sempre atroz, principalmente aquele que é perpetrado injustificadamente.