Um universo banhado num néon sobrenatural e numa escuridão que oculta uma visão periférica e absorve o espaço físico num vácuo emocional. É o mundo de Chico (João Delgado Lourenço), um jovem cujo primeiro sorriso surge com o cumprimento acolhedor da sua vizinha, Clara (Maria da Fonte/Cláudia Gomes). Este vislumbre inédito na sua vida domina a sua mente, infetando o seu sangue com uma sede animalesca por possessão. Maesltrom é uma história de becos e negrume, refletindo a visão de um homem obcecado em receber atenção feminina, independentemente da sua beleza ou personalidade. O olhar é suficiente para elaborar um cosmos nos seus sonhos onde esta pertence ao seu corpo.
Através de intensos contrastes, planos fascinantes e uma banda sonora electrónica, esta curta-metragem realizada por Pedro M. Afonso vive das suas aptidões técnicas e ambiente cinemático para captar o estado emocional deste protagonista violento, perigoso e patético. São os seus excessos que permitem esta destacar-se no panorama da criatividade nacional, produzindo momentos visuais elétricos e entusiasmantes para qualquer espectador ou individuo apaixonado por cinema. Os seus twists são insignificantes, mesmo para os criadores, pois as suas revelações são destinadas para as personagens invés da audiência; a excelente música perdura por, infelizmente, demasiado tempo, danificando o elemento tenebroso narrativo e cortando, ocasionalmente, o seu impacto dramático – compreensível pois segue a lógica de uma personagem que reside somente nessa melodia; a sua duração estende-se além do necessário, contudo é um filme carregado de ambição, peso temático, frames grandiosos e um estilo incrível que permanece na memória, mesmo após os créditos finais.
Impossível escapar das suas claras influências, desde Drive (2011) de Nicolas Winding Refn, Neon Genesis Evangelion: The End of Evangelion (1997), de Hideaki Anno e Kazuya Tsurumaki, ou mais recentemente, Joker (2019) de Todd Phillips. Até existe uma cena que recorda The Big Shave (1967), uma curta-metragem de Martin Scorsese! Apesar deste aspeto derivativo arriscar cair na pretensiosidade, a equipa técnica e o elenco desenlaçam a sua potência narrativa com confiança na sua história de violência predatória masculina, e de mulheres sujeitadas ao complexo de Madonna/Prostituta, colocadas num pedestal por homens para serem veneradas e eventualmente sacrificadas pelos seus “pecados”.
Nestes momentos, Maelstrom é realçado pela sua atmosfera fantasiosa. Os atores principais equilibram a realidade com a ilusão nas suas performances, particularmente João Delgado Lourenço, que imbuí uma caraterística patética nos seus sorrisos, impedindo que o seu protagonista atinja a beleza típica de Ryan Gosling mesmo nos seus sonhos, onde um estilo formoso de vestuário é insuficiente para desviar a atenção do rosto coberto por pensos, utilizados para disfarçar os cortes provocados enquanto barbeava-se. Devido ao destaque deste teor artístico na imaginação, quando a curta-metragem regressa à realidade o seu núcleo dramático desvanece, enfraquecendo o efeito da sua mensagem, como se o próprio filme suplicasse para retornar ao seu mundo idealizado falso. Possivelmente, para os criadores a fantasia apela mais do que a realidade, contudo, o que é o cinema senão uma fantasia?