Madres Paralelas (2021)

de Rafael Félix

De regresso ao espanhol depois de The Human Voice, Pedro Almodóvar volta a território mais familiar em Madres Paralelas, a história de duas mães solteiras que dão à luz no mesmo dia e veem o seu destino entrelaçado de uma forma que só o realizador sediado em Madrid consegue tornar real.

Embora a palavra “real” não seja propriamente aplicável ao cinema de Almodóvar que como que pincela os seus filmes com pontuações de fantasia e contos de fadas pintados no seu habitual escarlate, a verdade é que tudo parece estranhamente orgânico e aqui não é excepção.

Madres Paralelas vê esta receita e reproduz na perfeição com algumas curvas narrativas desafiantes e que fazem aquilo que inicialmente parecia ser mais uma história familiar do realizador, em algo completamente diferente. Não necessariamente melhor, mas com contornos que mudam não só as temáticas do filme mas desafia também as expectativas que levamos para um filme de Pedro Almodóvar.

É isto que o distingue de todos os outros realizadores a trabalhar hoje: não é a constante beleza e profundidade dos seus espaços; nem a vibração das composições de Alberto Iglesias; ou as performances das suas atrizes que são sempre de um alcance extraordinário – Milena Smit é especialmente incrível neste filme – ; nem sequer a sua neurótica atenção ao detalhe.

O que realmente torna o cinema de Almodóvar tão especial é a sua capacidade única de se continuar a reinventar e ao mesmo tempo ser constantemente familiar.

A sua abordagem à maternidade é de uma complexidade diferente desta vez. Dentro do melodrama habitual do realizador, há uma vertente estranhamente Freudiana a espaços e não raras vezes problemática e incoerente – o que mesmo no meio da absoluta loucura que é o seu guião digno de novela, transparece emocionalmente não só o carinho mas a compreensão que mostra às suas personagens (às suas habituais “mães”).

Ainda assim, Madres Paralelas fica mais a dever a Volver do que a qualquer outro filme, na forma como que suavemente se transforma num filme sobre o poder inestimável da memória, não só como o pequeno conforto trazido pelas lembranças – às vezes irreais – de quem já não está, mas também como que uma arma essencial para as batalhas que se aproximam contra forças que outrora tanto lutamos para erradicar.

Pedro Almodóvar junta assim o ângulo emocional e melodramático, com uma curva política belíssima que embora não seja um tema virgem ao realizador é aqui abordado de uma forma muito mais preocupada do que propriamente otimista.

O que, olhando para os nossos vizinhos espanhóis e para o nosso próprio panorama, parece ser consideravelmente justificável.

Madres Paralelas estreia em Portugal no LEFFEST, durante o mês de Novembro, e deverá chegar às restantes salas lusas no início de Dezembro.

4.5/5
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