“Parfois nous pleurons quand nous sommes content.”
Ma Vie de Courgette é um filme de animação francês de 2016 criado pela Pixel, um pequeno estúdio de animação perto de Lyon, França. O argumento é da autoria de Céline Sciamma (sim, a realizadora de Portrait de la Jeune Fille en Feu [2019]) em colaboração com Morgan Navarro e o realizador Claude Barras. Como qualquer filme que usa animação stop-motion, este foi um longo processo de produção que se prolongou por sete anos, e que resultou num filme de apenas 66 minutos. Tanto a recepção crítica como a da indústria, com inúmeros prémios e mesmo uma nomeação para melhor filme de animação na edição de 2017 dos Óscares, foram um tremendo sucesso.
Icare, também chamado de Courgette (V.O. Gaspard Schlatter), é um menino de 9 anos que acabou de ficar órfão após a morte acidental da sua mãe. É encaminhado para um orfanato onde descobre o verdadeiro significado da palavra família e de como as primeiras impressões iludem. Conseguirá Courgette descobrir a paz por que tanto anseia?
Assim como o Homem, também os filmes não se medem aos palmos e Ma Vie de Courgette é o perfeito exemplo desse famoso ditado popular. Desde os seus curtos 66 minutos, passando pela simples premissa e terminando no cenário minimalista usado para contar a história, tudo é pensado milimetricamente para que o foco esteja sempre em Courgette, a personagem principal. É fácil torcer pelo seu final feliz quando o argumento reveste Courgette com uma complexidade de emoções e sentimentos tantas vezes arredado de crianças em outras produções, onde surgem reduzidos a meros clichês. O mesmo acontece com as restantes personagens jovens, em que cada uma ganha mais vida com o avançar da narrativa. A isto não é alheio o trabalho no argumento de Céline Sciamma, que já mostrou saber escrever bem personagens infantis como visto no seu mais recente Petite Maman (2021). Aos adultos deste mundo não é dada a mesma atenção, nem tempo para criar verdadeiras personagens, mas o seu impacto na narrativa é de notar.
Outro ponto a favor é a qualidade do design das personagens, que à primeira vista poderá ser inferior ao que é feito por outros estúdios maiores de animação stop-motion, mas o charme é inegável. Poderá ser devido aos narizes de cores garridas, os olhos com olheiras descomunais, às cabeças desproporcionais ao resto do corpo ou a qualquer outro pormenor dos seus cenários, mas a sua combinação cria um cocktail difícil de resistir. A animação das cenas é igualmente impressionante, com o trabalho produzido a mover cada uma destas personagens patente em cada frame animado, confirmando esta forma de animação como a mais trabalhosa mas também a que gera uma empatia maior com o que vemos no ecrã.
Desengane-se, no entanto, quem pense que este é um filme puramente infanto-juvenil de entretenimento. Há muito aqui para as crianças da audiência se ligarem à história, mas é o respeito com que trata todo o seu público que o destaca de tantas outras produções de animação. Violência, alcoolismo, bullying ou a dureza da vida em geral, tudo aqui é mostrado à luz do dia, sem “falinhas mansas” ou com a intenção de desviar a atenção da injustiça que a vida reserva às suas personagens. Mas nem tudo é negro ou destrutivo, há também momentos bonitos de compreensão entre as crianças, sobre o poder do amor para curar feridas profundas ou da força de que a amizade nos reveste, que impedem o filme de cair numa espiral de desespero e permitindo-nos encontrar a luz neste mundo sombrio que Claude Barras não hesita em nos revelar.
Ma Vie de Courgette é um começo auspicioso e carregado de esperança para o futuro dos estúdios Pixel e do seu realizador Claude Barras. O seu maior triunfo é nunca ser condescendente com a sua maior audiência, as crianças, e criar um ambiente familiar de discussão importante com o mundo adulto que tantas vezes os quer proteger em demasia das agruras da vida. E fazê-lo através da sua imensa sensibilidade e de um coração gigante, é ouro sobre azul.