Luz da Manhã (2012)

de Janai Reis

O silêncio próximo da distância

Luz da Manhã fecha a trilogia de Cláudia Varejão do (des)encontro familiar, que inclui os filmes Fim-de-Semana (2007) e Um Dia Frio (2009), e fá-lo de forma mais sensorial. No silêncio da rotina quotidiana, observamos a relação próxima de uma distância entre três gerações de mãe (Elisa Lisboa), filha (Beatriz Batarda) e neta (Matilde Colaço) que apenas se unem pela corrente de um rio.

Este é o filme da trilogia que menos palavras usa e que menos relação mostra, mas, provavelmente, o que melhor fala sobre as relações humanas no seio familiar. Da mesma forma que acontece nos filmes anteriores, Luz da Manhã mostra a existência de carinho e de preocupação entre a família, contudo, continuamos na corda bamba entre o afeto e a frieza da relações. A mãe não diz uma única palavra, fecha-se num silêncio que coloca não só um peso enorme sobre o ambiente, mas também um mistério que não nos permite desprender o olhar. Um filme aberto, ainda mais aberto que Um Dia Frio – neste ainda nos é mostrado o mundo exterior do núcleo familiar de cada personagem – pois não nos é dada grande informação para além dos comportamentos interpessoais. O que se passou para a mãe não falar nem com a filha nem com a neta? O que pode ter acontecido para tal frieza? De onde vem a preocupação da filha? Não se sabe, é narrativa, não importa assim tanto. Agora a sensação importa, e o olhar de Cláudia Varejão sabe como fazer sentir, como criar empatia por personagens que não são nada mais que pessoas… do nosso quotidiano.

Todos os nossos sentidos vibram com a estética do filme. Do mais ínfimo som, à cor mais vibrante da paleta, do realismo filmado em terra ao fantástico e imersivo rio, do plano fixo ao plano dinâmico, do corte mais brusco ao corte suave, o filme transporta o espectador numa jornada de sensações, de contemplações que dão espaço para gerir todas as partes do seu conteúdo. Nos planos debaixo de água somos levados para um mundo onde o tempo não corre da mesma forma. A cena gravada no rio é algo com um tom quase que introspetivo, podendo assim levar o espectador a sentir um tempo a sós consigo mesmo. Talvez de reflexão, quase que numa experiência nostálgica de reconhecimento, com uma familiaridade também um pouco onírica até.

Talvez não seja possível tirar nenhuma interpretação lógica destes 18 minutos, mas certamente ficam as imagens e sons estampadas na mente e sensações marcadas no nosso corpo. Nesta batalha em busca de um afeto, que parece ser impossível alcançar, fica apenas a luta carimbada pela determinação no tempo. Outro convite ao íntimo do que, ao ser humano, é intrínseco. Outra contra projeção da tela para o espectador. Outro mergulho num rio que só é possível pisar uma vez.

Esta crítica é acompanhada por um ensaio audiovisual de estrutura simples com o intuito de colocar a trilogia de Claúdia Varejão em diálogo. Desta forma é possível contemplar a estética dos filmes em separado, comparar os seus momentos nas questões narrativas e formais ou fazer as duas coisas em simultâneo. Ainda que este ensaio possua um lado analítico e lógico, foi construído também a pensar nas sensações e na experiência desta trilogia dos (des)encontros.

4/5
0 comentário
1

Related News

Deixa Um Comentário