Look Back é uma homenagem profunda e comovente aos criadores, aos leitores e a todos os que saem dos seus quartos. Uma história que explora a persistência artística perante o suor, a tristeza, a solidão e o luto, particularmente no conflito existencial que surge quando percebemos a possibilidade de estar a partilhar a nossa arte com um mundo desinteressado ou hostil face às nossas vulnerabilidades. Todos estes aspectos são suficientes para abandonar a nossa imaginação. Portanto, porque continuamos?
No dia 18 de Julho, em 2019, um homem ateou em chamas o estúdio japonês de animação Kyoto Animation, provocando 33 mortes e ferindo gravemente cerca de 36 pessoas. Hideaki Atta, que fundou a companhia com a sua mulher, Yoko Atta, em 1981, mencionou o excesso de emails anónimos recebidos que proclamavam morte ao estúdio, incapaz de compreender o motivo desta vontade por violência. Perderam-se artistas, trabalhadores, seres humanos unidos pelo desejo de criar histórias. Perderam-se vozes. É um evento lamentável cujo peso é ainda sentido actualmente na indústria de anime, propagando o medo da expressão artística. Apesar desta tragédia, o estúdio responsável por obras como A Silent Voice (2016), Clannad (2007-2009) e Hyouka (2012) conseguiu renascer das cinzas e retomar as suas produções, lutando pela sua sobrevivência, pela sua paixão, pela sua arte. Mas o medo inevitavelmente continuou. Aliás, continua. Um medo em sequer sair do quarto e simplesmente existir.
Dois anos depois, no aniversário deste infortúnio, Tatsuki Fujimoto, criador de Chainsaw Man, partilhou o seu mangá, um one-shot semi-biográfico intitulado Look Back, sobre duas jovens raparigas, Fujino e Kyomoto, que formam uma amizade através do seu amor pelo desenho. Esta é a sua adaptação para o cinema, realizada e escrita por Kiyotaka Oshiyama, que, durante os últimos meses desta produção, transformou o seu escritório num dormitório. Um ciclo curioso de autores, em meios criativos divergentes, a entregarem-se completamente aos seus quadros, pinturas sobre a procura por uma resposta à pergunta: Porque continuamos?
Look Back recusa-se a representar a arte somente como uma forma de expressão positiva, alegre ou mágica, e rejeita a ideia das suas protagonistas como mad geniuses, contrariando diversas longas-metragens similares cujo ênfase está na paixão do artista ou na sua genialidade insana. Fujino (Yumi Kawai) e Kyomoto (Mizuki Yoshida) são retratadas constantemente com raiva, desgosto, inveja, maturidade e imaturidade, medo e entusiasmo neste seu chamamento. Ocasionalmente, Fujimoto e Oshiyama demonstram este sonho meramente como um emprego comum. Uma realidade que implica, ironicamente, parar de existir na realidade, ambas reclusas numa secretária ou nos seus quartos, até à última página. Incapazes de abandonar a caneta mesmo quando a tinta revela uma capacidade assustadora de manchar o presente e o futuro. Os seus dias iluminados pelo sol são guiados pela inspiração, pela vontade de sair para voltar a entrar.
Quando Fujino questiona a sua paixão, sentindo-se consistentemente exausta e reconhecendo que raramente beneficia do seu talento, Look Back impede-se de responder directamente, permitindo a audiência de encontrar a chave na ligação entre Fujino e Kyomoto, entre gargalhadas e lágrimas. É a sua forma de experienciar o melhor do mundo. De pertencer verdadeiramente ao mundo. Viver ao criar. Este sentimento é transferido graciosamente para o ambiente cinemático pois neste meio audiovisual, Oshiyama revela a vida que existe além das vinhetas, tiras e das pranchas, elevando a história para um novo universo, um ditado por movimento. O seu entusiasmo pelo esforço humano criativo é assinalado na abertura do filme com uma transição fantástica entre a fluidez da animação 3D até ao nosso encontro com a protagonista onde conseguimos sentir o folhear das células em cada segundo; consciente do poder que uma única imagem estática consegue ter na nossa memória.
Neste sentido, dentro da adaptação desvendamos o amor sentido pela obra original e pelas suas implicações emocionais, espelhado visualmente na preservação dos elementos característicos do autor, como os vigorosos traços, os acentuados riscos distintos no design das suas personagens e a marcante intensidade contida nos seus esboços, e dramaticamente no argumento e na banda sonora angelical de Haruka Nakamura, que ecoa a sensação astral de desvanecermos num momento, numa acção, numa conexão, na nossa imaginação; ausentes mas presentes, sentados numa cadeira, frente à secretária, com os pingos da chuva a servirem como pontos num relógio, enquanto o tempo foge das nossas mentes. São notas musicais que transmitem esta ideia, similar a uma viagem no tempo onde acordamos num futuro, sem identificar a sua passagem. Os sorrisos, traços, sons ou os créditos finais de um filme, sinalizam o nosso regresso à realidade, ao nosso tempo. Look Back captura melancolicamente este conceito de descoberta no nosso desaparecer. Esta é a resposta. A contradição mágica de existir verdadeiramente nesta inexistência.
Em cerca de 60 minutos, Look Back conta uma história emocionalmente poderosa e cativante que simboliza o poder da criatividade, do meio da animação, do engenho artístico humano e das relações que formamos dentro dos frames, das pranchas, da melodia, do movimento, e numa imagem. Apesar de Fujimoto nunca mencionar abertamente a Kyoto Animation, as suas personagens comprovam a sua peculiar influência. É um agradecimento à equipa por sair dos seus quartos e continuar. Uma recordação que a arte consegue dar luz ao cosmos, evocar as nossas ligações desaparecidas e, mais importante que tudo, manter estas vivas no nosso coração.