A combinação de histórias de coming of age com elementos de terror não é recente, mas foi ganhando formas distintas ao longo do tempo. Nos anos 80, obras como Heathers (1988) marcaram o início dessa tendência, apresentando uma visão sombria e satírica da juventude, que preparou o terreno para narrativas que uniam conflitos da adolescência com o sobrenatural. Na década seguinte, produções como Buffy the Vampire Slayer (1992) e, posteriormente, Ginger Snaps (2000) expandiram essa abordagem, misturando dramas típicos juvenis com monstros e suspense. A partir de 2010, o subgénero atingiu um novo auge, com títulos como The Babysitter (2017), a trilogia Fear Street (2021) e Totally Killer (2023) conquistando novos fãs ao equilibrar comédia, nostalgia e violência gráfica. Agora, em 2024, Lisa Frankenstein surge como mais uma adição a essa linha, oferecendo uma releitura contemporânea do clássico mito, enquanto mergulha nas angústias e descobertas típicas desta fase da vida.
Situado em 1989, o filme acompanha Lisa Swallows (Kathryn Newton), uma adolescente introvertida a tentar superar o trauma da morte da mãe, brutalmente assassinada na sua própria casa. O seu pai, Dale (Joe Chrest), casa-se novamente com Janet (Carla Gugino), uma mulher obcecada por ordem e que deixa bem claro que não gosta da rapariga. A nova família também inclui Taffy (Lisa Soberano), filha de Janet de um casamento anterior, uma jovem popular e extrovertida que, com o seu jeito único e um tanto narcisista, tenta ajudar a meia-irmã a socializar. Após alguns eventos traumatizantes numa festa, Lisa foge e refugia-se no cemitério da cidade, lugar que visita com frequência para ficar sozinha e contar os seus segredos ao túmulo de um jovem músico do século XIX, que morreu tragicamente após ser atingido por um raio. Na mesma noite, uma descarga elétrica atinge o local, trazendo o morto de volta à vida como um zombie, e dando início a uma conexão inesperada entre os dois.
A realização de Zelda Williams, filha do lendário comediante Robin Williams, é cheia de humor e sabe contrastar o gore e o sobrenatural com os dilemas da adolescência e a superação de traumas. O seu ambiente é um dos grandes pontos do filme: além de construir uma atmosfera imersiva dos anos 80, há, também, passagens fantasiosas muito bem executadas da era vitoriana, um período próximo de quando Mary Shelley escreveu Frankenstein (1818). Existe uma criatividade visual impressionante nessas sequências, utilizando marionetas, stop-motion e efeitos gráficos que tornam a experiência ainda mais cativante.
A personagem de Lisa Swallows tem uma evolução fascinante ao longo da narrativa, pois o seu amadurecimento está diretamente ligado à autoestima, à superação de convenções sociais e à abertura ao amor através da violência, vingança e do estilo gótico. Lisa é uma personagem complexa porque funciona como uma fusão de dois ícones do terror: o Dr. Frankenstein e a Noiva do Monstro de Frankenstein. Essa dualidade, que mistura interesse amoroso e complexo de Deus, é bem equilibrada e até amável, principalmente devido à interpretação magnética de Kathryn Newton, que confere profundidade e carisma à protagonista.
O ponto alto do filme é o argumento de Diablo Cody, que combina clichés com uma completa desconstrução de arquétipos de maneira harmoniosa e divertida. A argumentista cria um universo rico em referências à obra de Mary Shelley e a outros clássicos do terror, ao mesmo tempo que mantém um tom leve e acessível. Cody já se consolidou como uma das argumentistas mais talentosas da sua geração, e aqui reafirma a sua capacidade de misturar humor ácido, personagens peculiares e uma abordagem única sobre o horror adolescente.
Para não dizer que tudo são rosas, o filme parece querer abordar diversos temas polémicos, mas a sua classificação indicativa e as limitações impostas pela produtora criam um ruído em certos momentos. Algumas cenas não são devidamente exploradas, gerando uma sensação estranha, especialmente quando se percebe que o filme não hesita em mostrar o consumo de drogas na adolescência, sexualidade e violência, mas trava noutros momentos que poderiam ser mais impactantes.
No final, mesmo com essas limitações narrativas, Lisa Frankenstein mantém-se uma história encantadora e irreverente, conseguindo ser tanto uma releitura criativa do clássico do terror como uma homenagem aos filmes de terror adolescente. Com uma estética marcante, atuações carismáticas e um argumento afiado, o filme certamente conquista quem aprecia narrativas que brincam com o macabro, sem perder a leveza e a diversão.