No início do séc. XXI, a Disney encontrava-se num período de experimentação, arriscando em diferentes géneros cinematográficos e temáticas variadas. O início do século dos estúdios trouxeram-nos o revisitar da história sul-americana e o império Inca, a dinossauros em busca da sobrevivência após um impacto meteorítico e passando pela icónica Atlantis, retratada num estilo pouco habitual para a Disney, o sci-fi. A animação Lilo & Stitch (2002) surge logo a seguir, e acompanha a temática espacial, mas opta por a assentar sobre a cultura havaiana, família e o significado de pertença. Longe de ter sido um enorme sucesso, conseguiu, no entanto, relembrar os tempos áureos da Disney da década de ’90.
Continuando na senda actual de revisitação do seu catálogo, através de remakes de imagem real dos seus êxitos de animação tradicional, era natural o regresso às belas paisagens naturais do Havai e à sua riqueza cultural única. A história acompanha Lilo (Maia Kealoha) e Nani (Sydney Agudong), irmãs que acabaram de perder os seus pais. O luto e as dificuldades da vida levantam problemas na manutenção da paz familiar e o risco de separação torna-se eminente. Até que surge Stitch (V.O. Chris Sanders), fugindo da captura do seu planeta Natal, onde é acusado de caos e destruição extrema pelas autoridades. Acaba por se despenhar numa das ilhas do Havai e disfarça-se como um pequeno cachorro, sendo adoptado por Lilo, após uma visita ao canil local. Conseguirá Stitch evitar a captura, conter o seu instinto destrutivo e salvar a família de Lilo da separação iminente que paira sobre ela?
O conceito havaiano de Ohana, em que família não é exclusivamente de sangue mas alargada aos próximos do coração, está no centro da narrativa. Ao redor de Lilo e Nani, gravita uma família alargada onde entra David (Kaipo Dudoit) e Tutu (Amy Hill), vizinhos das irmãs. Stitch, assim chamado por Lilo, é o exemplo de como as primeiras impressões e o passado não definem o nosso presente. A escolha de Stitch como um ser extraterrestre não é inocente e ensina valiosas lições ao seu público-alvo, de como a diferença pode ser a “cola” que nos repara e não o abismo do medo/desconfiança que nos querem impingir. A estrutura do argumento, apesar de previsível, mantém o coração caótico e emocional do original, mas sem se esquecer de o adaptar à realidade presente.
Alguns pormenores e situações são distintas, mas o impacto emocional sobre o espectador mantêm-se, não se inibindo de mostrar a dura realidade da vida e equilibrando-a com a traquinice tão própria das crianças. Tal só é possível através do magnífico trabalho de transformação de Stitch, de um desenho 2D, para uma renderização 3D prístina. De igual importância nesta equação é Maia Kealoha – a encarnação, na vida real, de Lilo, com uma energia contagiante e um coração maior que o mundo. Os fãs do original vão apreciar o regresso de Chris Sanders para dar de novo a voz a Stitch ,e de Tia Carrere, a Nani da primeira versão, num papel distinto mas crucial na história. Algumas personagens desaparecem ou são assimiladas entre si, mas o conceito principal por detrás da narrativa mantém-se inalterado e imune a pressões que outras adaptações da Disney, para imagem real, não conseguiram. Como é óbvio isso retira-lhe o factor novidade ou a possibilidade de uma história verdadeiramente original, mas o seu coração bate sempre mais forte.
Lilo & Stitch recria a magia do original para uma nova geração, sem nunca desvirtuar a mensagem escrita nas entrelinhas da importância da família, da beleza na diferença e de um coração sempre aberto para segundas oportunidades. Previsível e seguro, como seria de esperar da família Disney, mas o sentimento de aconchego e reconforto é indiscutível. A não perder num cinema perto de si.