Let the Right One In (2008)

de Rafael Félix

É estranho que o maior elogio que Hollywood soube dar ao extraordinário trabalho de Tomas Alfredson em Let the Right One In foi um remake dois anos depois, almejado por Matt Reeves. Não excluindo quaisquer qualidades que o filme do realizador de The Batman (2022) possa ter, a verdade é que o seu antecessor sueco merecia mais atenção do que aquela que foi dada na altura, apesar da receção crítica muito favorável. Tentemos corrigir esse erro.

Passado nos subúrbios de Estocolmo, o filme baseado no romance homónimo de John Ajvide Lindqvist, segue a amizade de duas crianças: Oskar (Kåre Hedebrant), um rapaz de 12 anos, excluído, tímido, alvo de agressões na escola que sonha vingar-se dos que lhe fazem mal; e Eli (Lina Leandersson), acabada de chegar à povoação, apenas aparece no parque ao cair da noite, coberta de neve, mas sem qualquer aparência de ter frio, vinda de uma casa onde todas as janelas estão totalmente cobertas, de onde o pai se escapula todas as noites por motivos questionáveis.

Apesar do ambiente de conto de fadas que traz a música operática de Johan Söderqvist e a câmara fria e cinzenta como as noites que Hoyte Van Hoytema capta – quase sempre afastando-se da violência, como que a oferecer compreensão aos atos sucedidos ­–, Let the Right One In está longe de ser um filme sobre criaturas da noite com um gosto particular por hemoglobina.

Em vez disso somos envolvidos numa das mais belas histórias de coming of age, centrada numa amizade improvável entre duas personagens que não se sabem exprimir, partilhando entre silêncios e pequenos toques, o medo de serem quem são e dos sentimentos que os engolem vivos, reprimidos e prontos a deixar um rasto de destruição à mínima faísca. Let the Right One In explora a inocência da infância e a raiva que dela pode provir, quando as linhas entre o certo e o errado ainda estão no seu mais turvo, e a violência parece ser não só simples, mas natural, em momentos em que expressar os sentimentos através da ira é mais fácil do que através da palavra. Num outro filme, talvez este ferver de sentimentos fosse abafado pelo incontornável amadurecimento adolescente, mas Alfredson oferece aceitação a esta fúria de viver, a chama juvenil que são as emoções da pré-adolescência e prefere oferecer às suas personagens a companhia um do outro e a compaixão que apenas encontramos naqueles que sabem o que é estar sozinho.

Faz-se aqui o que o melhor cinema de terror deve fazer: utilizar o macabro para alimentar uma história humana. Todos os elementos sobrenaturais de Let the Right One In são utilizados como adereços de fundo para embelezar uma relação central que junta a ingenuidade da infância com o pânico que é não encaixar, e nós ficamos com um filme que se sente simultaneamente original e familiar.

Este monumento do cinema sueco é uma ode à conexão humana, à necessidade de comunicar, de exprimir e de sentir e que vai muito além de uma mera história sobre vampiros e amor adolescente – apesar de uma fala em específico (“já tens doze anos há quanto tempo?“) fazer lembrar um romance adolescente bem diferente entre um vampiro brilhante e uma tal de Kristen Stewart. Com duas performances centrais extraordinárias e uma realização absolutamente brilhante, Let the Right One In é um filme que em momentos consegue ser tão gelado como as paisagens de Estocolmo, mas que no seu âmago tem um calor humano irresistível que nos envolve num feitiço que faz lembrar a melhor magia de Guillermo del Toro. Aqui, a magia é tremenda.

4.5/5
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