Les Olympiades (2021)

de Rafael Félix

Jacques Audiard regressa ao cinema em língua francesa, depois da sua aventura no Faroeste em The Sister Brothers (2018), com uma viagem estranhamente relaxada pelas relações afetivas, vida sexual e indisponibilidade emocional de alguns jovens trintões da classe média parisiense, num guião que foi também agraciado pela mão de Céline Sciamma e que foi baseado em três graphic novels de Adrian Tomine.

Audiard transfere as histórias originais que se passam em Nova-Iorque para uma Paris contemporânea preenchida pela música eletrónica de Rone, capaz de transportar qualquer um para o êxtase da vida noturna moderna da Cidade das Luzes, mas onde a fotografia a preto e branco de Paul Guilhaume oferece um tom intemporal e parcialmente nostálgico pela Novelle Vague do século passado, como se as histórias de amores, desamores e solidão das personagens que caminham em Les Olympiades não fossem suficientes para lembrar Resnais ou Godard.

Mesmo quando a estrutura não funciona, principalmente na primeira parte que teima em não revelar para onde vai, as idiossincrasias destes jovens são hipnotizantes e mais do que suficientes para carregar o filme: na descontração e pragmatismo que Camille (Makita Samba) usa para encobrir uma melancolia perante o desencanto que a vida adulta lhe está a trazer enquanto se aventura por entre parceiras; no caos que é Émilie (Lucie Zhang) que ainda procura perceber qual é a maneira certa de se apegar a alguém quando nem ela parece entender como lidar com uma relação afetiva ou com a rejeição; e Nora (Noémie Merlant) que tenta fugir a um passado que deverá ter sido traumático e que desespera por uma ligação que a faça sentir viva outra vez.

É um conjunto de personagens muito diferentes, mas com duas coisas em comum: todas elas estão isoladas e todas elas estão emocionalmente indisponíveis. É o retrato de uma geração que vive rápido e solitariamente, vagueando de experiência em experiência sem criar ligações e sem se conectar com os demais à sua volta. É aqui que Les Olympiades está ao seu melhor nível, quando coloca estas pessoas frente a frente, despindo lentamente as suas barreiras emocionais em cada encontro – porque as suas roupas já saíram bem antes –, tenham sido elas criadas por traumas familiares, uma vida frenética ou inseguranças sexuais, que as leva num percurso de paixões, relações improváveis e de descobertas pessoais que apenas são concretizados quando estas se permitem a ser vulneráveis perante quem está ao seu lado. Quando nem tudo fluí com a naturalidade com que costuma fluir no cinema de Audiard, o carisma gigantesco dos atores, a própria descontração e joie de vivre que vem do ecrã permite que as quase duas horas (excessivas) de Les Olympiades sejam tempo, no mínimo, em boa companhia.

Longe do brilhantismo de Rust and Bone (2012) ou da disciplina de The Sisters Brothers (2018), o novo filme de Jacques Audiard é meditativo e boémio, sempre com um tom selfaware o suficiente para não se tornar meramente um conjunto de clichés sobre crises de meia-idade. Em vez disso decide ser uma exploração da vida afetiva de uma geração que se esqueceu que a vida só o é se for partilhada. Como lembrete disto mesmo, Les Olympiades funciona.

3.5/5
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