Les Chenilles (2023)

de Pedro Ginja

O bicho-da-seda cria um dos mais procurados e preciosos tecidos do mundo, a seda, mas como tudo o que é valioso na vida há um preço a pagar por trás, geralmente bem escondido e já esquecido quando se compra aquela peça de roupa que tanto queremos na loja. As irmãs Keserwany contam uma dessas histórias e dos sacrifícios pagos pelo povo Libanês para que o mundo pudesse usufruir do produto. Com um pé entre Beirute e Paris, o coração de Michelle e Noel Keserwany, esse, mantém-se com firmeza no Líbano onde os seus videoclips satíricos mostram a extrema corrupção vigente no seu país.

Les Chenilles, curta-metragem produzida em 2023, faz com que essa ligação ao seu país natal pareça inquebrável e duradoura. O filme retrata Asma (Masa Zaher) e Sarah (Noel Keserwany), duas empregadas de um restaurante, que lutam para sobreviver em Lyon, na França. Quando tudo à partida as parece afastar uma da outra, existe, no entanto, um fio que as une: a sua ligação ao Líbano que foram forçadas a deixar para trás. 

É bastante claro que o argumento escrito por Michelle Keserwany, um dos lados desta parceria, sabe muito bem o que quer dizer. É uma história de ciclo fechado, em que explora o lado sombrio do lucro económico. Estabelece desde logo a metáfora da seda como o início do ciclo vicioso de exploração francesa durante a ocupação do Líbano no Século XX. A busca do lucro fácil com a plantação de amoreiras, para alimentar o bicho-da-seda, leva ao colapso da produção alimentar. Do passado para o presente e a imigração forçada, em busca de uma vida melhor, Asma e Sarah completam o círculo de abuso com o seu trabalho num restaurante em França. Este sentimento de ambas estarem onde não querem estar é reforçado nos telefonemas para casa, nas constantes lições amargas do passado e no sempre presente bicho-da-seda, aqui retratado como um “agente do mal” ao serviço do colonialismo.

Apesar da forte presença de metáforas este é, na sua essência, um filme sobre relações humanas e o erro das primeiras impressões. Asma, interpretada por Masa Zaher, parece estar no controlo da sua vida e emoções enquanto Sarah, interpretada por Noel Keserwany, aparenta estar perdida e sem rumo. O argumento parece encaminhar-se para um confronto entre as duas mulheres, mas opta por revelar a verdade sobre ambas as personagens através do diálogo, numa noite a deambular pelas ruas de Paris. Zaher é a mais forte neste duo com o retrato intricado de Asma que floresce com a revelação das suas limitações pessoais na relação que estabelece com Sarah. A sua expressividade tanto da raiva acumulada no início assim como do orgulho inabalável para não mostrar a parte fraca, parece sempre natural e autêntico, como que sofrido na própria pele. Apesar de nunca ser revelado como autobiográfico parece haver aqui uma extensão da vivência pessoal de Michelle Keserwany revelada no argumento, o que torna tudo mais impactante no espectador. Noel além de realizadora e parceira criativa surge como actriz no papel de Sarah, num papel mais contido e desprovido de tantas emoções à flor da pele, como Masa Zaher, é natural que não brilhe tanto, mas serve como contraponto e lição de vida para tantos de nós reféns das primeiras impressões para julgar alguém.

Les Chenilles retrata uma geração perdida e sem pátria a tentar sobreviver num país que não a quer mas que desesperadamente precisa dela. É, acima de tudo isso, um encontro entre duas mulheres através do diálogo e da descoberta do que as une, mesmo quando tudo à sua volta as quer separar. A abordagem naturalista e assente na realidade de Michelle e Noel Keserwany revela-nos uma realidade invisível para muitos, mas essencial para compreender o mundo. A não perder, portanto.

4/5
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