Les Chambres Rouges (2023)

de Matilde Garrido

Todos os serial killers têm os seus admiradores, seja pelo fascínio sombrio que despertam ou pelo terror que suscitam. Existe algo no mistério do Mal, na brutalidade perversa dos seus atos, que atrai as mentes mais curiosas, ou talvez inquietas. Em Les Chambres Rouges (Red Rooms), essa obsessão é conduzida para ambos os extremos, revelando o quão longe alguém pode ir para acompanhar o microcosmo macabro de um assassino. Contudo, é-nos recordado o preço invisível que se paga por este tipo de curiosidade: num mundo dominado pela tecnologia, quem observa e quem é observado?

Les Chambres Rouges começa. Os crimes abjetos já foram consumados e encontramo-nos enclausurados numa sala de tribunal, mais especificamente no julgamento de Ludovic Chevalier (Maxwell McCabe-Lokos) – o Demónio de Rosemont -, alvo de grande cobertura mediática. O arguido é acusado do rapto, tortura e assassinato de três adolescentes, bem como pela transmissão desses atos na dark web, nas chamadas “salas vermelhas”, nas quais se pode assistir ao seu conteúdo em troca de criptomoedas.

É nesta sala de tribunal que se encontra a modelo Kelly-Anne (Juliette Gariépy), profundamente envolvida no julgamento de Chevalier – cujas motivações percorrem terrenos sempre nebulosos e dúbios – e Clémentine (Laurie Babin). As duas jovens são o exemplo perfeito de como os opostos se atraem: visualmente contrastantes, com estilos de vida distintos e posturas diferentes perante o caso. Contudo, compartilham uma veia de obsessão que acaba por uni-las de forma inesperada. Les Chambres Rougesé um slow burn que, quanto menos soubermos à entrada do cinema, melhor, uma vez que parte da beleza da narrativa incide nas suas várias camadas e revelações progressivas que o público vai desvendando.

O realizador Pascal Plante conduz o filme com precisão e intensidade, resultando numa atmosfera claustrofóbica onde temas como o voyeurismo e o controlo se cruzam, e no qual o privado e o público são separados por uma linha cada vez mais esbatida. Numa decisão ousada e que eleva o género de thriller psicológico, Plante retira o foco do assassino e aponta-o para aqueles que o cercam – um grupo que, enquanto espectadores, também fazemos parte -; as reações e dinâmicas que cercam o ato violento, em vez de glorificar o desastre em si.A violência explicita e gráfica nunca é exibida na tela; pelo contrário, o filme mantém-se amplamente contido no procedimento judicial, mas com uma repulsa silenciosa que lembra Fincher e Cronenberg. Esta abordagem, que se destaca como uma lufada de ar fresco no género de thriller, é intensificada pelo trabalho de câmera que remete para a abordagem meticulosa e fluída de Kubrick. Adicionalmente, o design de som e a banda sonora circunscrevem o público neste universo sombrio que frequentemente evoca a qualidade onírica e surrealista de Lynch.

As atuações, de forma geral, são impressionantes, especialmente a protagonista, cuja crescente angústia e paranoia marcam a tensão e ritmo da história. Gariépy é absolutamente irresistível na pele de Kelly-Anne, a sua atuação perturbadora alcança um nível quase equiparável ao de um verdadeiro serial killer. Com um olhar penetrante como uma faca, parte do terror que emana reside nos detalhes subtis: o olhar fixo e os movimentos faciais revelam nuances das emoções da personagem, tornando-a ainda mais enigmática. De facto, a intensidade de Gariépy rendeu-lhe o Prix Iris de Revelação do Ano no 25º Quebec Cinema Awards (2023), destacando-a como um dos nomes emergentes do cinema contemporâneo canadense. Se a narrativa é prova de uma conduta original do horror, é complementada na perfeição pela performance de Gariépy, deixando uma marca indelével no espectador.

Não obstante as suas evidentes conquistas, o filme peca por se arrastar, com cenas que não contribuem para a crescente tensão. Estes intervalos, embora bem-intencionados, interrompem o ritmo e a imersão na narrativa, instigando o desejo por um avanço mais incisivo.

Les Chambres Rouges é um thriller que, assim como a dark web que retrata, é repleto de camadas, revelações que se desdobram em contornos absolutamente avassaladores. Plante oferece uma reflexão perspicaz sobre o sensacionalismo dos meios de comunicação e a maneira como transformam assassinos em celebridades. Consequentemente, ao direcionar a câmera para aqueles que observam em vez de se concentrar nos habituais alvos de observação, é apresentada a curiosidade humana pelo mal, bem como as consequências da sua obsessão.

Em última instância, Les Chambres Rouges é um convite inquietante para examinarmos a linha ténue entre a fascinação e a repulsa, desafiando-nos a reconsiderar nosso papel como espectadores numa sociedade que se alimenta do macabro.

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