Leave no Traces (2021)

de Rúben Faria

Voz que se quer fazer ouvir

Este thriller político tem como pano de fundo a Polónia dos anos 80, baseando-se em factos reais de violência policial. Conta a história de Jurek Popiel (Tomasz Ziętek), um jovem que testemunha a morte do seu amigo, Grzegorz Przemyk (Mateusz Górski), às mãos (e pés) das forças policiais sem qualquer tipo de justificação plausível. Um acontecimento que inicia uma perseguição a Jurek para que este seja descredibilizado e impedido de testemunhar em tribunal.

É inquestionável a importância de um filme como este e o impacto que pode trazer a pelo menos um punhado de mentes mais questionáveis. O facto de sequer existir e ter uma abordagem direta para com o problema, faz com que esta obra seja quase obrigatória de ver e ainda mais de ser falada, independentemente da qualidade do produto final. Tem como ponto mais forte a sua voz, que faz questão de ser ouvida e que se anuncia sem remorsos na sua luta contra o fascismo.

Toda a sua batalha moral vem potenciada pelo realismo que o filme apresenta e que o guião exige, mas este é traído por uma tentativa do próprio filme em se dramatizar um pouco mais do que lhe é pedido. É uma história que prospera no realismo e murcha um pouco quando se debruça no dramatismo. Esta dicotomia está presente por todo o filme, pesando para ambos os lados da balança durante as suas duas horas e meia. O realismo apresentado não só funciona de forma pragmática, mas também de forma emocional, o que faz com que o espectador se sinta traído quando é levado por um caminho mais dramático que tenta monopolizar as emoções e quase que as pincelar pela sua própria vontade.

Depois de um início muito cru e duro, em que se sente a harmonia deste realismo que por si só apresenta os factos e leva a sentir sobre as consequências dos mesmos, é um pouco traiçoeiro quando o filme decide povoar uma cena importante com uma banda sonora intrusiva ou quando exibe um momento de ator mais falseado e dramatizado. Uma mudança como esta é exaltada por um caminho que vai do mais pessoal para o mais político, onde a narrativa se perde um pouco pelos meandros das tecnicalidades políticas, esquecendo por momentos do que mais cativa: as emoções das suas personagens. Claro está que numa história destas é inevitável falar sobre política e entrar por algumas das suas idiossincrasias, mas depois de um primeiro ato onde se sente na pele a dor dos personagens e se sabe o suficiente sobre o fundo político que as envolve, parece contranatura estar mais tarde a debruçar demasiado sobre apenas o lado político ou exagerar no lado dramático.

Este equilíbrio na narrativa é realmente onde o filme mais tem dificuldades. Depois de uma introdução com cenas tão intensas e impactantes, o espectador fica o resto do tempo à espera que um momento de igual importância, ou pelo menos tensão, volte a acontecer, mas nunca sucede. Por um lado, isso rema a favor do argumento mostrar que na vida nem sempre se tem um momento de catarse com o resolver das coisas. No entanto, também joga contra o próprio filme porque depois de este tentar lutar para ser dramático, terminar sem colmatar esse dramatismo deixa um sabor anti climático.

A juntar a esta indecisão toda, o guião também parece inseguro na sua concentração. Mostra-se confuso naquilo que quer seguir, apresentando vários enredos e desviando a atenção de cenários ou momentos importantes, para se focar em personagens que não são elementos-chave na narrativa ou que não impulsionam a mesma. Também existe uma constante mudança de perspetiva fazendo com que o filme salte entre os pontos de vista de todos os intervenientes, mas sem ser de forma coesa e pertinente. Por causa destas inseguranças, o ritmo e estrutura falham na sua missão de conseguir agarrar o espectador de início ao fim; a história pede um maior foco num par de perspetivas fortes, que dão tudo o que o enredo precisa.

Depois de um início fortíssimo e equilibrado, que nos leva a entrar emocionalmente nesta história, é desapontante ver que o filme não chega a níveis icónicos por se deixar martirizar por um lado político demasiado frio e por se deixar levar por um lado dramático que trai o clima da sala. Ainda assim, é uma obra que se apresenta tecnicamente sólida e com coragem para abordar um tema crucial e delicado de forma clara e com uma posição vincada. É, sem dúvida alguma, uma obra importante que deve ser observada, e que merece esse estatuto pela sua postura sem remorsos e pela sua voz ativista, conseguindo assim sobrepor-se às suas deficiências estruturais.

3.5/5
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