Le Tout Nouveau Testament (2015)

de Guilherme Teixeira

Ea (Pili Groyne), filha de Deus (Benoît Poelvoorde), decide, em rebelião, ir à Terra para arranjar mais seis apóstolos. No entanto, desta vez, o novo testamento será sobre eles e não sobre a divindade.

Jaco Van Dormael, co-argumentista e realizador, cria uma obra que consegue equilibrar o drama com a comédia. A proposta inicial é bastante interessante pois Jaco apresenta um Deus sádico, e é esse sadismo que o leva a criar o ser humano. Isso ocorre uma vez que os animais, por si só, não teriam a capacidade de criar o drama necessário para o satisfazer. O realizador leva ao pé da letra o facto do ser humano ter sido criado à imagem do Todo-Poderoso. Portanto, sendo nós meros mortais, criaturas cheias de falhas, isso só pode significar que o ser omnipotente que nos criou também deve tê-las.

A história começa quando Ea decide enviar uma mensagem para toda a humanidade sobre a data da morte de cada indivíduo, gerando uma série de dilemas que o filme, infelizmente, apenas aborda superficialmente. No entanto, é justificável, pois explorar esta temática não é o foco do filme. 

Existe um dilema interessante neste ponto da história. Ou Deus está morto ou pretende morrer, já que o seu desaparecimento só ocorrerá quando a humanidade não precisar mais dele, ou ele é, de facto, um sádico que usa tragédias para manter a sua adoração. O filme escolhe a segunda resposta. Assim, inicia o chamado “novo testamento”, com uma viagem por cada apóstolo.

O primeiro apóstolo, e um favorito pessoal, é Aurélie (Laura Verlinder). Uma jovem mulher que perdeu o braço e desde então usa uma prótese. Aurélie enfrenta uma luta constante no dia a dia, não apenas com o assédio dos vizinhos, que têm sempre algo a comentar, mas, acima de tudo, com o facto de não conseguir aceitar a sua condição. Este primeiro capítulo culmina numa dança bastante peculiar mas tocante sobre aceitarmos aquilo que somos. Jean (Didier de Neck), o segundo apóstolo, é um jovem aventureiro perdido nas rotinas comuns, numa viagem de autodescoberta que inclui um diálogo interessante com um pássaro. Já no terceiro apóstolo, Marc (Serge Larivière), o filme aborda o tema do propósito da vida, mostrando que não adianta ter várias experiências se nenhuma delas realmente significar algo, mesmo considerando o nosso fim iminente.

Porém, a história dos seguintes apóstolos dilui, de uma forma ou de outra, a mensagem partilhada ao longo do filme. Como o caso do sexto apóstolo que foca-se num rapaz doente; o quarto apóstolo, acerca de um assassino, ou o quinto, sobre uma mulher que se sente infeliz no seu casamento. São perspectivas diferentes daquilo a que chamamos de “valorizar a vida” mas para o argumento geral deste filme, parece que estes segmentos servem apenas para preencher espaço até à sua conclusão. Apesar dos contextos diferentes, é uma mensagem que pode ser atingida através da experiência dos restantes apóstolos. Não obstante, o realizador consegue construir estes momentos de forma a disfarçar estas dúvidas no argumento.

Deus Existe e Vive em Bruxelas (título nacional) é uma excelente comédia que, apesar de algumas redundâncias, encontra sempre maneiras de servir e dar significado a cada personagem e história que tem para contar.

4/5
0 comentário
2

Related News

Deixa Um Comentário