Quando tinha cerca de vinte anos, a realizadora Anna Novion enfrentou uma doença que a manteve isolada do mundo durante seis meses. Ao retomar a sua vida, sentiu dificuldade em conectar-se com pessoas da sua faixa etária, uma experiência que inspirou a criação do guião de Le Théorème de Marguerite (O Teorema de Marguerite). Contudo, o filme cai numa teia de clichés, arriscando-se a desaparecer da memória coletiva como giz sobre ardósia.
Marguerite (Ella Rumpf) é uma aluna de doutoramento em Matemática na prestigiosa École Normale Supérieure. Desde o começo, são refletidos no público os desafios que a sua genialidade acarreta: estuda num meio predominantemente masculino, rodeada de professores, investigadores e alunos que, muitas vezes, apresentam comportamentos enviesados pelo seu género. De facto, é nos diálogos entre a protagonista e estes intervenientes que nos apercebemos que esta disparidade não abala a determinação de Marguerite, demonstrando uma resiliência que, embora silenciosa, é capaz de superar os desafios impostos pelo entorno.
Contudo, no dia de defesa da sua tese, perante uma comissão de investigadores, o seu novo colega (Julien Frison) descobre um erro de cálculo que abala todas as certezas de Marguerite e que, num instinto quase infantil, a leva a desistir e a procurar uma nova vida, agora refugiada daquilo que em tempos foi tudo para ela.
Marguerite é uma jovem nerd, retratada de uma forma cliché tal como o cinema pecou em fazer durante décadas: introvertida, estudiosa e totalmente desapegada de qualquer laivo de vaidade – nem mesmo ao estereótipo dos óculos de aro em metal escapa -, que dedicou toda a sua vida à matemática. Para ela, não se trata apenas de uma paixão ou vocação, a matemática assume-se quase como uma religião que, de certa maneira, acaba por protegê-la do mundo e de outras experiências que jovens de 25 anos costumam ter.
A principal virtude de Le Théorème de Marguerite reside na sua tentativa de retratar a luta contra o sexismo no meio académico, em que a protagonista procura, num registo quase doentio, alcançar os seus objetivos num ambiente hostil, que a reduz ao seu género e puxa o tapete dos seus pés sem pudor. Em diversas ocasiões, observamos Marguerite a ser ridicularizada pelos seus colegas e a ser tratada de forma paternalista pelo seu supervisor (Jean-Pierre Darroussin), especialmente após a chegada de um novo aluno que leva a cabo uma investigação na mesma área que ela – o mesmo que encontra um erro na sua tese. Adicionalmente, o professor manifesta regularmente as suas crenças sobre a imaturidade da estudante, muitas vezes ancorada à sua visão machista, e como na matemática não há espaço para emoções, as quais parecem estar fatalmente e exclusivamente associadas às mulheres.
Esta dinâmica não apenas ilustra com sucesso as dificuldades enfrentadas por Marguerite, mas também propõe uma reflexão mais ampla sobre os meios que definem o valor de uma pessoa com base no género. Por sua vez, a narrativa procura explorar as atitudes dos oprimidos diante dos seus opressores, questionando se a resiliência será suficiente para desafiar normas pré-estabelecidas e afirmar a presença num meio que marginaliza todos os que se deviam do padrão. Ainda que apresente esta premissa, numa primeira instância, interessante, a narrativa acaba por tropeçar num conjunto de clichés que a tornam superficial, uma vez que não mergulha de cabeça em muitas das questões que levanta.
Em vez de explorar a força de Marguerite neste momento complexo da sua vida (que sempre foi apresentada como a sua grande virtude), o filme rende-se à banalidade ao tornar o interesse romântico da protagonista no motor da narrativa, patenteando a ideia de que, sozinha, não teria alcançado os seus objetivos. Após a crise académica que rapidamente se estende para o resto da sua vida, a narrativa faz com que paire a ideia de que Marguerite precisava de ser “salva” por um homem. A partir daqui o público consegue prever com alguma precisão os acontecimentos seguintes, onde os “se” dão lugar aos “quando”, e o que parecia ser uma jornada de autodescoberta num meio opressor, dilui-se numa simples estória que apenas ameaça o patriarcado com luvas de pelica. Por este motivo, ainda que com uma performance consistente por parte de Rumpf, o desenvolvimento de Marguerite, enquanto personagem central, torna-se frustrante.
A nível técnico, Le Théorème de Marguerite é eficiente, mas fica aquém pela falta de uma abordagem mais ousada e ambiciosa, o que poderia ter elevado a experiência cinematográfica: a edição por vezes arrasta o ritmo do filme; a banda sonora é discreta; as atuações são sólidas, mas o guião limita o desenvolvimento das personagens.
Le Théorème de Marguerite falha em entregar o que deveras prometia, uma reflexão sobre a luta contra o sexismo nas mãos de uma protagonista forte, perdendo-se ao tentar equilibrar o rigor do mundo da matemática com a sua intrincada jornada emocional. Muitas contas são feitas ao longo do filme, mas a única que parece realmente importar apenas denuncia que, em Le Théorème de Marguerite, a natureza complexa do amor e da matemática foi reduzida a uma equação decepcionantemente gasta e simples.