“Ce n’est pas de la vengeance, c’est la justice!”
Quem conhece, e não são muitos os que mesmo não lendo nunca ouviram falar do livro, sabe que o romance de aventura de Alexandre Dumas está carregado de voltas e reviravoltas nas escolhas da narrativa. De inúmeras sub-histórias e personagens, cada uma essencial no caminho percorrido, até à importância do período histórico, situado no início do Séc. XIX quando Napoleão arquitectava o seu regresso ao poder após um período de exílio na ilha de Elba, é óbvio concluir sobre a complexidade da adaptação desta obra a qualquer outra forma de arte. Considerado um clássico literário, hoje considerado um dos mais reconhecidos trabalhos de Dumas, recebe aqui a sua “enésima” tentativa de recriar a magia do livro responsável por trazer a aclamação literária mundial ao escritor francês.
Com o argumento de Alexandre de la Patellière e Matthieu Delaporte, sim os mesmos responsáveis pelo recente díptico dedicado a outra das grandes obras de Dumas – Les Trois Mousquetaires: D’Artagnan (2023)e Les Trois Mousquetaires: Milady (2023) –, Le Comte de Monte-Cristo (O Conde de Monte-Cristo) conta a história de Edmond Dantès (Pierre Niney), acusado injustamente de traição, e preso sem julgamento numa ilha fortificada ao largo de Marselha. Na prisão conhece o abade Faria (Pierfrancesco Favina) que o educa nas artes e línguas e lhe conta sobre um magnífico tesouro numa ilha remota. Após a fuga da prisão, recupera o tesouro e transforma-se no Conde de Monte-Cristo regressando a Paris em busca de vingança de todos os que o traíram.
Esta é a história moderna que define o significado de vingança. Uma elaborada teia de acções cujo único objectivo é destruir a vida de quem prendeu Edmond Dantès injustamente e sem julgamento. Escrito originalmente numa série de livros, seria sempre uma tarefa hercúlea colocar o livro actual (mais de 1000 páginas) num filme e, mesmo com os 178 minutos de duração que os realizadores tiveram disponíveis, teriam sempre de ser tomadas imensas decisões sobre o que cortar ou realçar. É seguro afirmar que nem todas as decisões foram as mais correctas, com algumas alterações desnecessárias e outras menos felizes, mas todas as escolhas feitas permitem dar à narrativa um ritmo de louvar onde os tempos mortos não existem. O duo da realização parece ter aprendido as lições do seu projecto anterior, também no mundo de Alexandre Dumas, mantendo tudo o que era de excelência como os valores de produção gigante, um perfeito casting de actores e a atenção aos detalhes de época, enquanto melhora no uso de luz em ambiente noturno, aqui utilizada na perfeição no que deixar iluminado e no que deixar oculto nas sombras. De referir ainda o brilhante trabalho de caracterização merecedor inclusive, se houver justiça no mundo, de ser nomeado para os principais prémios deste ano.
Obviamente todos estes pontos positivos seriam em vão se, por detrás da personagem principal, não estivesse alguém capaz de carregar o filme. E Pierre Niney, a transbordar carisma, transita entre o inocente Edmond do início, para o homem prestes a enlouquecer na prisão e concluí com um Conde de Monte-Cristo, frio e calculista, capaz de tudo para fazer justiça pelas próprias mãos. A sua capacidade camaleónica de interpretação permite-nos acreditar em cada uma dessas facetas diametralmente opostas. Mesmo quando as suas acções são moralmente reprováveis estamos do seu lado mesmo quando, ou especialmente quando, não sabemos se é um herói ou um vilão. Para provar, ainda mais, o seu enorme talento, brinda-nos ainda com outra personagem distinta, que também encarna, através de um disfarce que lembra Tom Cruise na sua franchise de eleição, Mission: Impossible (1996 – ).
Perdoem-me esta metáfora com um ditado popular, mas Alexandre de la Patellière e Matthieu Delaporte estão tão perto de conseguir condensar o “Rossio” e de o enfiar na “Rua da Betesga” que não deixam ao espectador outra opção senão aplaudir de pé tamanha ousadia. Sem dúvida a melhor adaptação possível ao cinema do livro de Alexandre Dumas. E na sua língua materna é ouro sobre azul.
PS: Substituir “Rossio” por “livro” e “Rua da Betesga” por “argumento”