Lamb (2022)

de Antony Sousa

Algures numa montanha na Islândia María (Noomi Rapace) e Ingvar (Hilmir Snaer Guõnason) procuram reconciliar-se com a vida através do trabalho com o seu rebanho de ovelhas. Até que um dia, um novo cordeiro nasce, para mudar por completo a vida do casal.

Não querendo construir um escudo para eventuais críticas a este artigo de opinião, gostaria de começar por escrever que Lamb não está propriamente no top 10 de filmes que tenha visto sobre os quais é fácil escrever-se. E isso não quer dizer que seja bom ou mau, quanto muito introduz a ideia que irei tentar explanar de que este é um filme diferente, e particularmente aberto a diversas opiniões que irão desde o “brilhante!”, ao “desisti no primeiro capítulo do filme”, passando pelo “o que é que acabou de acontecer?? Méééhh Deus!” (Porque as ovelhas fazem m… enfim vocês chegaram lá).
É necessário, para podermos apreciar este filme, não questionar em demasia certos aspectos, e entrar simplesmente na proposta que nos é dada, para depois a partir daí encontrarmos o que sentimos sobre o filme sem estarmos corrompidos pela fantasia criada.

Uma espécie de tragédia grega em forma de fábula sinistra e bizarra. É a melhor forma para descrever este filme. Algo que pode funcionar contra Lamb é a associação que parece existir do filme com o género de terror (até atendendo ao seu trailer), o que poderá levar-nos a uma desilusão valente, tendo em conta que estamos a falar de uma fantasia dramática. Em nenhum momento parece haver a intenção do realizador Valdimar Jóhannsson de nos assustar ou provocar arrepios. Cai muito mais na categoria de um Green Knight (2021) por exemplo, apesar de mais simples e com menor investimento na fantasia.

É ainda assim verdade que somos envolvidos num ambiente sombrio, e que sobretudo no segundo capítulo, propositadamente, o enredo faz-nos questionar constantemente quando irá efectivamente acontecer alguma coisa monstruosa, o que acaba por ser um dos pontos a favor do filme. Isso numa longa-metragem por natureza parada (nos primeiros 10 minutos não há diálogos) com muito poucas personagens e basicamente um só local de filmagem, acaba por ser atraente por nos prender até ao fim. A fotografia complementa os intervalos sem diálogos com a paisagem islandesa como vantagem quase injusta – é praticamente impossível criar uma sequência feia de imagens com aquele cenário. No som podemos também conferir que se quer mistério e dúvida no ar, mas não necessariamente jump scares.

Noomi Rapace, Hilmir Guõnason e mais tarde Bjorn Hylnur Haraldsson (Pétur) são perfeitamente credíveis no cenário estranho em que se encontram. É tudo feito com cuidado e naturalidade, como uma família que volta a ganhar um novo alento, e nos faz em última instância aproximar-nos dela, tendo maior relevância o que lhe pode acontecer. É bastante interessante como em vários momentos quase sem darmos por isso, estamos a questionar uma acção de uma das personagens e a seguir estamos a defendê-la, o que indica que a complexidade típica do ser humano foi encontrada e aplicada pelo elenco com excelência. O quarto elemento aqui é complicado de caracterizar sem ferir o que poderá ser uma das cenas mais determinantes do enredo, mas a inocência que lhe era pedida para que tudo funcionasse foi completamente atingida, e não raras vezes nos atinge também num acesso de empatia inevitável.

Existem filmes estranhos, que nos deixam na dúvida se de facto gostamos deles ou não quando chegam ao fim, no entanto há uma verdade inegável nesses casos, é que não nos deixam indiferentes, e isso é uma valia indiscutível numa obra artística, que a distingue de outras que não conseguimos dizer que são más, mas também não mexeram em nada dentro de nós. Lamb é um dos mais recentes exemples deste género de estranheza.

A produtora A24 tem-nos habituado aos filmes mais arrojados, arriscados, e bem-sucedidos dos últimos anos (pensei em começar uma lista, mas apercebi-me de que merecia um artigo só para isso), e com Lamb, não sendo uma das suas pérolas mais brilhantes e entusiasmantes, não desarma nessa caminhada corajosa de nos oferecer o que não estávamos à espera. E que maravilha é nos tempos de sequelas financeiramente convenientes e argumentos já perfeitamente gastos e abusados, termos uma equipa que tenta empurrar os limites da imaginação e dar oportunidade a novas vozes (este é a primeira longa-metragem de Valdimar Jóhannsson por exemplo). 

3/5
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2 comentários

Juliana Batalha 3 de Maio, 2022 - 22:09

Esta review é on point. Muito necessária, porque é um filme… daqueles!!

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Antony Sousa 22 de Maio, 2022 - 15:48

Muito obrigado Juliana!! 🙏🙏 É de facto um filme que não deixa ninguém indiferente!

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