La Tortue rouge (2016)

de Pedro Ginja

“Quando o Studio Ghibli nos liga para saber se podem ser produtores da nossa primeira longa-metragem dizemos que sim.”

– Michael Dudok de Wit

Durante uma entrevista recente, Michael Dudok de Wit contava como aconteceu a parceria inesperada com os estúdios Ghibli, a única na sua história na Europa, no ano de 2008. O “rastilho” foi uma curta-metragem do próprio realizador chamada Father and Daughter (2000), que a Ghibli procurava distribuir no mercado japonês. Quando tal não foi possível, por já ter distribuidor associado para esse mercado, houve uma segunda questão para Michael. “Seria então possível produzir a sua primeira longa-metragem?”. A incredulidade no pedido era tanta que pediu para repetir. Quando a repetição o confirmou, o sonho era agora real.

Reduzir este filme a uma sinopse é uma tarefa complicada mas é possível dar o ponto de partida do filme, sem estragar o seu percurso. Um homem sofre um naufrágio e acaba por ir parar a uma ilha deserta. O homem está, aparentemente, sozinho na ilha e a luta pela sobrevivência começa agora.

Fiel ao seu trabalho anterior, principalmente o já citado Father and Daughter (2000), Michael Dudok de Wit opta por uma abordagem minimalista para a sua animação. A opção passa por dar total atenção às personagens da história, e aos seus movimentos fluídos, enquanto a paisagem passa para segundo plano. A noite torna-se monocromática e o dia revela tons de aguarelas sempre com simplicidade e beleza no traço. Realce ainda para a introdução de elementos fantásticos nunca verdadeiramente explicados mas com uma magia muito própria, reforçados pela animação extraordinária. Outro fator diferenciador do realizador é a ausência de diálogos, o excelente trabalho sonoro e a presença forte da música, como condutor da narrativa e das próprias emoções dos personagens, e não perde nada com essa escolha. A música composta por Laurent Perez de Mar é exímia na maneira como nos “abraça” e revela sentimentos escondidos nas entrelinhas. Uma manipulação muito bem-vinda. Mais uma prova da absoluta reverência de Michael pelos estúdio Ghibli, conhecida pelas inúmeras criaturas adoráveis do seu universo, é a introdução de um grupo de caranguejos absolutamente adoráveis. A sua humanização e interatividade na narrativa dão-lhe uma leveza difícil de negar e, também, os seus momentos mais engraçados. Quem não se lembra dos Otori-sama (patos) a tomar banho em Spirited Away (2001) ou os mini companheiros sempre às costas de Totoro em My Neighbor Totoro (1988)?

Mesmo sendo produzida em solo europeu, na sua totalidade, a universalidade desta fábula é indiscutível ao retratar o ciclo da vida e a relação do homem com a natureza. A simplicidade e a leveza nos traços das personagens e, principalmente, do ambiente natural não a impede de reflectir sobre temas pesados como a solidão, o luto e o poder implacável e destruidor da natureza. Para os seus curtos 80 minutos é muita coisa para digerir mas Michael Dudok de Wit fá-lo com coração sempre no sítio certo. E esse coração é Ghibli.

3.5/5
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