La Nuit a Dévoré le Monde (2018)

de Sofia Alexandra Gomes

Tudo começa numa noite de festa num apartamento em Paris. Sam (interpretado por Anders Danielsen Lie, mais conhecido pelo seu papel como Aksel no aclamado filme The Worst Person in the World, 2021) apenas ali se encontra porque quer os seus pertences de volta, pertences esses que estão neste apartamento, o da sua ex-namorada, Fanny (Sigrid Bouaziz). Na senda para ter novamente as suas coisas, acaba por adormecer sozinho num quarto e quando acorda percebe que a cidade francesa foi tomada por zombies durante a noite.

Normalmente este é um género cinemático que não me desperta muito à atenção. Sem querer incorrer numa visão estereotipada do mesmo – mas reconhecendo que corro esse risco – creio que, na maioria das vezes, é sensacionalista, o que se compreende, obviamente, mas hiperboliza tanto esse sensacionalismo que acaba por ser rocambolesco.

La Nuit a Dévoré le Monde apresenta-se diferente. Anders Danielsen Lie, como protagonista, motiva à visualização: o ator norueguês impactou não só pela sua prestação na longa-metragem já supra-referida como também em Utøya 22. Juli (2018). No entanto, o enredo per se fala por si. Um pacing lento num cenário apocalíptico e um silêncio aterrador mesmo por parte dos mortos-vivos são os principais elementos de atração e, posteriormente, de destaque. Felizmente, também reconhece novamente que Anders só alavanca o potencial desta narrativa.

A produção ítalo-francesa mostra-nos um lado que não é comum ao género, lado esse que não se insere no terror, mas sim no drama. Invés do horror acentuado da fuga e da morte revela-nos antes o horror acentuado do isolamento e da solidão, que é vivida por Sam no prédio situado no centro de Paris onde está completamente sozinho. O facto de nunca se explicar o que realmente desencadeou esta distopia, alimentando um certo “fator de aleatoriedade” no que concerne à origem da tragédia, só estimula a história.

Baseado no livro de nome homónimo de Pit Agarmen, pseudónimo de Martin Page, o filme mantém em nós, ao longo do seu desenvolvimento, um medo e suspense permanentes – com os seus naturais altos e baixos, característicos do género – que são muito bem trabalhados pelo realizador Dominique Rocher.

É-nos mostrada a luta da personagem na tentativa de se manter lúcida – ou o mais perto possível disso face ao que enfrenta – e é esta luta que nos prende ao ecrã. A solidão e o isolamento tornam-se tão aterradores e tão insuportáveis, que Sam começa a conceber a possibilidade de sair do edifício e enfrentar os zombies como exequível: mais exequível do que possivelmente viver sozinho ad eternum.

O espectador não tem perceção da passagem do tempo à medida que o filme avança, não sabe se já se passaram dias, meses ou anos e essa é uma escolha deliberada. Dominique Rocher quer imprimir-nos o mesmo desconforto e angústia que a sua personagem principal sente, porque tudo isso é também agudizado por uma distorção da noção de tempo. Todos os passatempos que o protagonista arranja para contornar a sua solidão, entre os quais, criar música a partir de louça ou tocar bateria, acabam por se revelar pouco frutíferos, pois, no fim, têm um efeito paradoxal: por um lado, procuram entretê-lo, mas por outro lado intensificam a mensagem de que ele está mesmo sozinho no mundo.

La Nuit a Dévoré le Monde “não inventa a roda”. Não é profundo, mas é bom e principalmente diferente dentro daquilo que se explora nos filmes de zombies. O exílio que observamos, neste caso obrigatório para que Sam se mantenha vivo, suscita, nomeadamente, a seguinte reflexão: até que ponto a solidão é tolerável para o Homem, ser que é naturalmente social?

3.5/5
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