La Llorona (2019)

de Sofia Alexandra Gomes

“Y si miramos atrás, nos convertimos en estatuas de sal.”

La Llorona… A imemorial e mais famosa lenda mexicana de uma mulher que submergiu os seus filhos após descobrir que o seu marido a traiu, mas que imediatamente percebe que estava cega pelo ódio e pelo ciúme para cometer tamanha atrocidade e por isso mata-se de seguida. Fantasmática, fica pelo mundo terreno a chorar desalmadamente por eles pela noite adentro na esperança de os voltar a encontrar e simultaneamente atormenta famílias visando roubar as suas crianças para acalentar a sua dor.

É com base nesta lenda que Jayro Bustamante cria um filme de nome homónimo, mas desta vez não para explorar o potencial do mito no terror – ainda que a película esteja englobada nesse género não corroboro essa visão, pois o que presenciamos no filme são apenas cenas de suspense, de um certo sobrenatural que não configura propriamente terror – como acontece, por exemplo, em The Curse of La Llorona (2019). O realizador guatemalteco cata o espiritismo imanente na história de La Llorona para vingar a vida de Alma (María Mercedes Coroy) e dos seus filhos que foram assassinados na guerra civil da Guatemala. Como? Quando o general Enrique Monteverde (Julio Diaz) é absolvido de supervisionar o genocídio que ocorreu nessa época, o espírito de Alma invade a sua casa para o assombrar a si e à sua família, incorporando inúmeras idiossincrasias da lenda de La Llorona, nomeadamente o seu tão característico pranto. A história de Alma e dos seus filhos é fictícia, mas a personagem do general é baseada em factos reais: Enrique Monteverde remete para Efrain Rios Montt, ex-chefe de Estado da Guatemala, que foi condenado pelas mesmas acusações em 2013, mas cuja sentença acabou por ser anulada dias mais tarde.

O filme foi nomeado para vários prémios, sendo de destacar as suas eleições para o Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Estrangeira em 2021 e para o Óscar de Melhor Filme Internacional no mesmo ano. Aliás, ganhou, entre outros galardões, o de Best Motion Picture, International Film em 2021 dos Satellite Awards.

O primeiro aspecto digno de menção é o cromatismo presente em La Llorona. A assiduidade das cores frias, principalmente da cor azul, adensa os elementos de suspense no filme e é verdadeiramente perfeito para evocar o luar, a lua e a água especialmente que inunda – literalmente – o filme. Além disso, o ritmo da narrativa é exemplar, na medida em que coexiste em completa simbiose com o cromatismo suprarreferido, o que faz com que o espectador não consiga parar de assistir.

As performances de Natalia (Sabrina de La Hoz), filha de Enrique, e de Carmen (Margarita Kenéfic), esposa de Enrique, são assoberbantes, atestas de diálogos atravessados pelo machismo enquanto vivência quotidiana e normalizada pelas mulheres e por isso aceitável para elas, sobretudo para Carmen, pela desresponsabilização e infantilização do homem – neste caso, Enrique – que deve ser perdoado constantemente, pois as suas atitudes advêm de impulsos animalescos e por isso irrefreáveis, pela, enfim, romantização da violência que é perpetrada pelos homens cuja marca indelével nas vítimas é sempre expressa eufemisticamente quer no seio das famílias, quer no que concerne ao genocídio que se sucedeu na Guatemala. 

Jayro Bustamante traz à tona, de forma subliminar e concomitantemente modelar, a impunidade política que existe na América Latina, sendo a realidade guatemalense uma das suas várias expressões, a disparidade gritante entre a minoria de elite, enriquecida e privilegiada, representada pela família Monteverde, a maioria empobrecida cujos recursos escasseiam grandemente e por isso passam fome, que é representada por grande parte da população guatemalteca que se revolta contra Enrique, etc. Com efeito, a componente histórica de La Llorona ainda que não seja exposta de forma explícita enriquece profundamente o filme.

A sobrenaturalidade da película reforça o seu tom íntimo, faz jus ao sofrimento, ao luto de Alma e de tantos mais guatemalenses por exigir justiça, mas acima de tudo consciência e arrependimento por parte de quem sempre ousou estar acima da justiça e pelos vistos está, porém apenas da terrena, não daquela que rege o submundo. Logo, ‘’Y si miramos atrás, nos convertimos en estatuas de sal’’, como Carmen afirmou no começo de La Llorona, não poderia estar mais errado… Na verdade, Y si [no] miramos atrás, nos convertimos en estatuas de piedra.

4/5
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